sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Diário: 3 de janeiro de 2012


(Ilustração feita por Enthony Kevin exclusivamente para este blog)


3 de janeiro de 2012.

Passei um tempo sem escrever porque eu resolvi reler o meu ano antes de escrever mais sobre a vida de “um novo tempo, que começou”. O Natal na casa da família da Rayane foi muito bom. Conhecemos os pais dela, Lúcia e Roberto, e o apartamento que eles têm na 404 sul. É desses que nem elevador tem. Deu um trabalho para subir aquelas escadas, mas foi bom para queimar a rabanada do fim de ano. De uma coisa eu gostei: me deixaram livre da cozinha. A Rayane falou que os pais dela faziam questão de fazerem tudo em casa mesmo. Claro que depois ficou bastante subentendido que o Henrique e eu devemos retribuir nestas férias. Na verdade, só eu porque o Henrique não vai fazer nada mesmo.
O apartamento deles tem três quartos, um para eles, um para a Rayane e outro para o irmão dela, chamado Luiz, um moleque de 17 anos que só sabe falar de vestibular. Conversou até bem com a Giovana, mas deu para perceber que ele sabe de mais coisa que a Giovana sobre vestibular. Até no Natal eu sinto vergonha da minha filha. Mas não tenho do que reclamar, pois comi bem e dei umas risadas à toa por aí. Sair de casa, para mim, é uma espécie de libertação da vida que levo. Mas não adianta nada sair e ver as mesmas pessoas sem graça de sempre e sentir o mesmo clima pesada.
Na casa dos pais da Rayane foi muito bom, mas na casa do Agenor e da Aurora foi muito ruim. Além daquelas pessoas chatas e sem graça, tive de aguentar a perturbação do William, que botou na cabeça que quer ser chamado de Alana. Como era Natal, as pessoas resolveram abraçá-lo por educação, mas todos fizeram questão de dizer William, só não a Giovana que fez questão de chamar de Alana. O abraço deles foi mais demorado também. Muito ruim ver a minha filha incentivando esse tipo de bobagem na cabeça de um menino perturbado. Eles foram (não consigo escrever elas) foram até para dentro da casa. A Giovana depois me contou que o William mostrou um monte de poemas dele que ele queria que fossem publicados por ela. Ela disse que gostou, mas acho que não deve ser tão bom assim, afinal a minha filha nem gosta de ler de verdade para saber o que é poesia boa e o que não é. A vida é cheia dessas coisas mesmo.
Agora ver o Henrique dando um jeito para ficar perto da Tereza foi muito ruim. Ele sempre se aproveitava quando eu estava ocupada com alguma coisa para falar com ela, chegar perto e “ajudar” em alguma coisa. No final eles não ficaram sozinhos nunca nem aconteceu nada. Mas me pareceu ser aquele tipo de nada que significa tudo na intimidade das pessoas. Esse tipo de coisa realmente é importante de se perceber e mudar. Eu já percebi, agora falta fazer a outra parte que é mais difícil.
O Ano Novo foi na casa de um amigo do Henrique. Muito ruim. Ia ser melhor ficar em casa, e fazer qualquer outra coisa. O Henrique escapou por pouco de uma blitz da polícia umas quatro da manhã. O nosso carro passou e o carro seguinte foi parado. Foi uma tremenda sorte. E, para fechar o começo de ano com tudo, o Henrique caiu na cama e dormiu. Só dormiu, não sei porque eu me surpreendo ainda com isso.
Olhar para frente agora é um grande desafio para mim. Só vejo problemas à minha frente. O negócio é ir aguentando os desafios e os vazios da vida. Ando meio desanimada para escrever. Talvez eu me anime mais durante o ano. Estranho, porque as pessoas costumam ser mais animadas no início do ano. Até falei com minha família, mas para mim isso não tem importância, não por agora.  

(Esta é uma obra de ficção criada por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Diário: 23 de dezembro de 2011

(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira para este blog)


23 de dezembro de 2011.

A vida parece que sempre tem um espaço para definido para as datas. Desde que eu sou criança o Natal tem um significado diferente. As pessoas mudam no fim do ano. Parece que são tomadas por uma espécie de atmosfera de paz. As pessoas se animam em fazer trabalho voluntário, fazem correntes do bem e até bolão da Mega-Sena o pessoal dá um jeito de fazer.

A cidade hoje deu uma mudada muito boa. Até a corrupção e a política deixaram de dar dor de cabeça para o povo. Caiu mais um ministro da Dilma, mas foi no início do mês. Agora já está bem tranquilo. Do jeito que a coisa anda para ela, um dia podem é botar a mulher mais poderosa do Brasil para o olho da rua. Neste país, tudo pode acontecer.

O ano não terminou, mas a televisão fica nos ajudando a reviver os momentos mais marcantes deste ano. Teve um massacre terrível numa escola lá no Rio de Janeiro. Nossa, a Giovana até ficou com medo de que algo do tipo acontecesse na escola dela. Com tanta coisa para o Brasil importar dos Estados Unidos, a gente resolveu importar logo esse negócio de fazer massacre em escola. Imagina só se eu fosse querer matar todo mundo que me fez sofrer. Não ia sobrar ninguém para contar história. A minha família estaria hoje em um cemitério e eu numa prisão, já que eu seria incapaz de me matar. Não que eu não esteja em um tipo de prisão, mas a da cadeia deve ser muito pior do que a que eu vivo aqui. A gente precisa aprender a importar dos outros países e das outras pessoas o que elas têm de bom e não o que têm de ordinário.

Na verdade, eu acho que estou escrevendo aqui mais para fugir da realidade. Ver Tereza e William, que quer ser chamado de Alana, no Natal vai ser bem chato. Eu ando com um pouco de irritação com a vida que chega. Essa falsidade de fim de ano para mim é insuportável. E ainda vou ter que aguentar a minha família de Minas no telefone. Ninguém diz que a vida é fácil, mas podiam falar sobre as dificuldades de se viver cada dia e como resolvê-las de vez em quando também.


(Esta é uma obra de ficção feita por Fernando Fidelix Nunes)

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Transição


Olá a todos!

Hoje teremos duas estreias aqui no blog em um único texto. Teremos duas novas seções para agitar este blog: “Supernova” e “Qualquer Coisa em Qualquer Lugar”. A primeira é destinada à publicação de textos de jovens amantes da arte, especialmente da literária. Nossa cidade e, principalmente, nossas escolas pecam bastante em não dar espaço para os estudantes inserirem seus trabalhos no seio da vida social de forma mais permanente. Talvez essa coluna ajude a reduzir a dívida que esta Capital tem para com talento dos nossos jovens.

A segunda será uma coluna feita por Any Beatriz Marques de Souza, jovem estudante que acaba de concluir o Ensino Fundamental com louvor. Ela irá sair do seu querido colégio e irá iniciar uma jornada desafiadora no Ensino Médio. E é justamente sobre essa transição que tratará a sua crônica de estreia, que será melhor entendida por quem conhece a Secretaria de Educação do Distrito Federal. Saber que crescemos e precisamos nos preparar para novos desafios e responsabilidades é mais necessário do que nunca. Aproveitem!

Transição

Antes mesmo de abrir a portinha da gaiola, um último alpiste, um último pedaço de bolo de aipim, uma última ida ao sol antes que comece a chuva, uma última frase metódica e um último canto.

Com as janelas fechadas sinto saudades de ir lá fora, mas tenho medo de nunca mais voltar para dentro e ficar sobre colo das cadeiras duras. Uma cadeia que guarda livros, guarda fogo que incendeia de maneira incontrolável cada alma cansada dentre as inúmeras paredes e janelas daquele local hostil e abominável, porém previsível e acolhedor.

Dentro das mochilas, pedras preciosas que logo serão substituídas por tijolos e pedregulhos; dentro dos blusões e moletons padronizados, existem corpos cansados e sedentos de conhecimento, aventura com ausência do abraço.

Sentirei falta dos ratos e dos insetos repugnantes, seguidos dos gritos estridentes que rangem os ouvidos, no entanto, não poderei evitar o crescimento, terei de deixar de lado primatas e entrar na ala dos elefantes e encará-los até eles me consumirem por inteira e deixar-me tornar alguém que mude um outro indivíduo ou apenas existir, um ser medíocre que só sobrevive e não vive. 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Diário: 19 de dezembro de 2011

(Ilustração feita por Enthony Vieira)

19 de dezembro de 2011.

Hoje eu aproveitei para andar um pouco pela quadra depois do almoço. Arrumei um pretexto qualquer e resolvi sair sem ser incomodada. Passei pela paróquia aqui perto de casa e rezei um pouco na frente da igreja. Sem entrar, pois não queria dar a Deus o tempo que guardava pra mim.

Andando pela quadra reparei em muita coisa, mas teve uma que me fez parar para pensar bastante: como nossos bancos são vazios. Aqui na Asa Norte não faltam lugares para as pessoas sentarem e conversarem. Tem um bloco aqui na quadra cheio de bancos na parte de dentro e de fora. Só que nunca tem ninguém para sentado neles conversando. Fiquei com a impressão de que se eles desaparecessem ninguém sentiria a sua falta. Poderiam até se enganar dizendo que não poderiam mais ficar lá, sendo que nunca ficaram. Às vezes a gente fica se enganando muito nesta vida. Do jeito que esse povo é, tinha gente que era capaz de fazer abaixo-assinado e até manifestação pelos bancos que nunca usam só para fazer pose de pessoas conscientes. Esse mundo é muito estranho mesmo.

Lá no interior as pessoas não precisam nem de banco para sentar. Com dois bancos já transformam qualquer lugar em praça para as pessoas fazerem qualquer coisa. Talvez seja por isso que ninguém sabe da vida de ninguém aqui na Asa Norte. No interior, gente que você nunca viu sabe tudo da sua vida. Tem fofoqueira solteirona capaz de falar toda a vida das pessoas da cidade, principalmente dos defeitos de cada um. Acho que todo mundo aqui na cidade é capaz de falar dos defeitos dos outros, mas como ninguém faz questão de se falar, ninguém fica sabendo de nada.

Cada dia é uma nova reflexão que nos invade e toma a nossa atenção por instante que se perde na eternidade. Daqui a um ano nem vou me lembrar do que aconteceu hoje. Bem, talvez o diário me ajude a lembrar melhor o que aconteceu, mas só se eu inventar de lê-lo outra vez. Na verdade, eu nem sei se eu vou estar escrevendo no ano que vem. Vai saber como as coisas serão.

(Esta é uma obra de ficção feita por Fernando Fidelix Nunes)

domingo, 9 de dezembro de 2018

Ando Precisando de um Empréstimo de R$ 40.000,00


Ando Precisando de um Empréstimo de R$ 40.000,00

Fazia muito tempo que eu não escrevia aqui, mas hoje as circunstâncias foram bastante favoráveis à produção textual! 

Definitivamente, a maior obra ficcional da humanidade é o que acontece no dia a dia da América do Sul. Comecemos pelo futebol. Nem as mais criativas mentes de todos os tempos seriam capazes de inventar um enredo que culminasse na final da Libertadores sendo realizada em Madri. Sim, o principal torneio de clubes das Américas teve a sua finalíssima neste domingo na Espanha. O motivo? Uma multidão de perturbados vestidos com a camisa do River Plate apedrejou o ônibus do Boca Juniors e deixou os jogadores sem condições de disputarem em alto nível a partida mais importante do ano no continente. Adiaram o jogo para o dia seguinte e o Boca se recusou a jogar. O que a nossa Conmebol propõe como solução? Superando a inventividade de Murilo Rubião, Clarice Lispector e Guimarães Rosa, ela decidiu que a finalíssima seria realizada na capital da terra de Cervantes. Uma vergonha total.

O jogo foi a cara da Libertadores: polêmicas incompreensíveis à cognição humana, bolas desviadas geradoras de lances emocionantes, entradas desleais, provocações politicamente incorretas, incontáveis cartões, torcidas enlouquecidas, craques na arquibancada, jogadores com o dedo na cara do juiz, gol do Benedetto, acréscimos intermináveis,  prorrogação, ceras intermináveis protagonizadas por um goleiro fanfarrão, goleiro indo para a área tentando um gol de qualquer forma e uma virada incontestável. O River Plate começou o jogo muito mole e nervoso, mas, depois do intervalo, impuseram a sua qualidade contra o time do Boca e levantaram a taça em Madri, para a alegria de um mar vermelho que se transformou a Argentina neste domingo. Sem dúvida, a produtividade da população argentina vai cair bastante nesta segunda, o que vai ser uma dor de cabeça a mais para o presidente Macri.

Falando em presidentes, a rotina do Bolsonaro anda agitada. Ele, incapaz de comparecer aos debates por problemas ocasionados pelo bárbaro atentado sofrido três meses atrás, levantou a taça do Brasileirão no estádio do Palmeiras, numa cena do mais baixo populismo que só acontece na América do Sul. Na vida de agitador ele vai bem, mas na política as coisas andam complicadas. Assistindo ao noticiário vemos cenas que parecem saídas de páginas ficcionais. Moro, que negava convictamente a sua possível entrada para a política, aceita a “missão” de assumir um ministério para lutar contra a corrupção e, quando questionado sobre o caixa dois de um outro ministro, desconversa esclarecendo que o companheiro admitiu o erro e pediu desculpas, o que é um pressuposto básico da severa justiça que nos aguarda. Outra coisa inimaginável é Joaquim Levy, ex-ministro da desastrosa gestão petista, integrar a equipe econômica de Paulo Guedes. Nem mesmo o mais cruel opositor seria capaz de fazer isso para atrapalhar a imagem do futuro governo.  

Por fim, Bolsonaro agora está envolvido numa situação delicada envolvendo, segundo ele, um empréstimo. Como eu ando precisando de R$ 40.000,00! Com esse dinheiro eu daria uma entrada num financiamento imobiliário bacana para sair do aluguel de vez. Resolveria uma das minhas principais dores de cabeça. Infelizmente, não tenho tantos amigos prestativos e, principalmente, remediados assim na minha vida. Muitos andam desempregados e se virando para fechar as contas fora do vermelho. Que sorte tem quem possui amigos capazes de emprestar dinheiro para lhes ajudar em um momento de crise como este.


(Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Diário: 16 de dezembro de 2011

(Ilustração feita por Enthony K. exclusivamente para este blog)

16 de dezembro de 2011.


Houve uma mudança de planos para o Natal. A Dona Aurora percebeu que muita gente não poderia ir na noite de Natal devido às outras famílias (ela está longe de ser a grande prioridade para as pessoas) que resolveu fazer um almoço de Natal para o dia 25. Para não descer do salto, muita gente adapta tudo aos seus interesses. A gente ficou meio sem saber o que fazer na hora desse anúncio, mas a minha querida Rayane veio com a solução na hora: vamos passar o Natal com a família dela. Essa menina me enche de orgulho! Como eu queria ter uma filha assim: inteligente, divertida e animada. Vai ser bom para fortalecer a união das famílias mesmo. Todo mundo concordo de bom grado com a ideia.

O Daniel está começando a pegar nas apostilas para concurso junto com a Giovana. Eles estão se ajudando a fazer umas questões de direito. Estavam resolvendo um monte de questões e conferindo os gabaritos. O Henrique aproveitou para comentar algumas coisas de uma tal de Lei 8.112. Ele disse que essa lei cai em todos os concursos da carreira federal. Eles ficaram muito animados em conhecer os direitos que terão no serviço público. Só o direito de poder tirar atestado médico e não precisar dar tantas satisfações depois do fim de um tal de estágio probatório deixou eles bem animados.

Eu queria muito que a minha vida fosse assim. Não precisar dar satisfações a ninguém e ficar em casa quando tiver uma justificativa qualquer para dar valor a mim mesmo. Agora, não tenho nem o direito de ficar deitada até tarde nenhum dia. A vida parece que tem um peso maior para mim. Acho que o caminho da vida estabeleceu curvas mais sinuosas para mim. Agora é ir vivendo e aproveitando o dia a dia com a família.

(Esta é uma obra de ficção feita por Fernando Fidelix Nunes)

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Diário: 12 de dezembro de 2011.


(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira para este blog)

12 de dezembro de 2011.

Foi um fim de semana bem cheio no Conjunto Nacional. O shopping estava todo decorado para o Natal. Claro que eles não estão preocupados com o espírito de paz e harmonia do nascimento de Jesus Cristo. Eles estão preocupados com o espírito de consumo desenfreado e inconsequente das pessoas nessa época do ano pra ganhar dinheiro. Quase não tinha nada em promoção, infelizmente. Eu até estranhei que o Henrique estava disposto a gastar com as coisas. Estava tão orgulhoso de levar as sacolas de um lado para o outro. Ele até pagou um quase jantar na praça de alimentação muito bom, e olha que não tinha ninguém por perto para ele se exibir. Posso dizer também que neste fim de semana ele foi um bom marido em outras coisas em que ele não era importante há bastante tempo com a qualidade que teve.

Para a Giovana a gente resolveu comprar duas camisas e um tênis de correr, para ver se ela começa a fazer algum exercício, porque anda comendo muita bobagem em casa. O Daniel finalmente vai ganhar um tênis e uma calça nova. O Henrique se deu uma camisa do Grêmio. Mais uma! Não sei nem quantas camisas do Grêmio ele tem aqui em casa mais, acho que umas 10. As mais velhas são as prediletas dele. Segundo ele, eram de tempos de glória. Gastar quase 200 reais numa camisa de time de futebol é uma perda de tempo total, não há quem me convença do contrário disso. E é cheio de gente ganhando dinheiro com essa paixão sem sentido. Tem muita gente que conhece mais da história do time de “coração” do que do próprio filho ou filha. É impressionante como o futebol toca as pessoas, principalmente os homens. Parece que a derrota do time de futebol envergonha mais do que as derrotas deste país.

Agora o que me dá orgulho de verdade é o Daniel com a Rayane! Eles estão cada dia mais lindos juntos. Resolveram se presentear com um celular para cada um, desses bem avançados que tiram fotos e acessam a internet de onde quiserem. Pelo plano em casal, tiveram um desconto. Tão bom vê-los juntos assim.

Agora teve uma coisa que eu percebi agora, enquanto eu escrevo que me deixou realmente melancólica: todo mundo comprou presente para amigo secreto, menos eu. Eles compraram para os colegas de trabalho e amigos pessoais. Já eu não comprei para ninguém, pois eu não tenho emprego. Realmente sou isolada de todo o mundo que me cerca e não tenho com quem me comunicar sobre a vida. É como se eu fosse uma peça na vida das pessoas. Meus filhos nunca me dão nada de Natal também. Um dia eu ainda vou ter coragem para perguntar para eles o que eu significo para eles? Se nem no Natal se lembram de mim, imaginem no restante. A vida é assim mesmo.

(Esta é uma obra de ficção feita por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Diário: 5 de dezembro de 2011

(Ilustração feita por Enthony Kevin exclusivamente para este blog)


5 de dezembro de 2011.

A gente começou esta semana sabendo que o Natal vai ser na casa da Dona Aurora. Isso não é nenhuma novidade. Uma vez tentamos organizar aqui em casa isso, mas não deu muito certo. Anda chovendo tanto aqui, que parece que o céu está derramando as lágrimas do meu coração. Mais um ano sem sentido se passou para mim. Pelo menos eu vi o Daniel melhorando um pouco, mas não vai ser nada demais no fim das contas. Se a Rayane largar o meu filho, eu não sei o que vai ser dele. Eu lembro dele dizer uma palavra bem engraçada pra quando ia fazer bobagem: despirocar. Como pode esse povo falar cada palavra horrorosa dessas. Mas o erro foi meu que não bati o suficiente no meu filho.

Eu vou acabar tendo que ir no Conjunto Nacional com o Henrique para comprar algumas coisas para a família. Andar no Conjunto nessa época é como passar por um museu de grandes novidades, como dizia o Cazuza. A gente consegue perceber na hora de fazer compras como o mundo ao nosso redor é. As pessoas parecem que se moldam na hora de comprar as coisas. É impressionante como tem coisas que não mudam nunca. Disco “novo” do Roberto Carlos e produto da Xuxa para crianças é o que não falta. O Roberto Carlos ainda vai porque ele compôs muita coisa boa, mas a Xuxa não dá para engolir.

Nos meus mais de 50 anos de vida, eu não vi até hoje uma pessoa dizer que a Xuxa canta bem. Como pode o nosso país se pautar pela mediocridade desse jeito. Colocaram a Xuxa e usaram ela de todo jeito para ganhar dinheiro. Música infantil, programa de auditório, filme, seriados infantis e tudo que a gente puder imaginar a Xuxa já fez. A culpa é dela? Claro que não! É do próprio povo, que gosta de enaltecer pessoas sem talento. Às vezes parece que as pessoas vivem critérios pelo avesso: quanto pior a qualidade, maior o valor e o prestígio. O que mais a gente pode esperar de um povo que enaltece isso? Só existe gente idiota e medíocre com prestígio porque existem pessoas tão medíocres quanto elas para gastar dinheiro com isso, principalmente na época de Natal. A nossa “presidenta” é um outro exemplo disso.

Agora vai ser muito bom comprar umas coisinhas para mim. Ando precisando, como dizem na televisão, dar uma repaginada em mim. O Natal é a melhor época para mudarmos por fora quem somos por dentro. Melhor dizendo: é a melhor época para praticarmos o fingimento. Acho que vou até fingir que aceito o William do jeito que ele se autointitula: Alana. O fingimento no Natal é como um pacto da falsidade para tentar mostrar ao mundo que nosso lado mais obscuro pode ser iluminado pelo nascimento de Cristo. Para a maioria das pessoas, Cristo está muito mais nas palavras do que no coração e parece que ultimamente quanto mais as pessoas usam Cristo em suas palavras, mais pilantras elas são. A minha dúvida é: o que Cristo diria de tudo isso? Só Deus sabe!


(Esta é uma obra de ficção criada por Fernando Fidelix Nunes exclusivamente para este blog)

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Diário: 30 de novembro de 2011

(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira para esta obra literária)


30 de novembro de 2011.

Não sei por que inventaram esse Dia do Evangélico. Tudo bem que cada um tenha a sua religião e seja respeitado por isso, mas criar um feriado no Distrito Federal para isso é demais. Até saiu uma reportagem no jornal na hora do almoço em que ninguém sabia direito que feriado era esse. Vai entender esse país. Isso deve ser coisa de político que quer ganhar voto porque o número de crentes só está aumentando cada dia mais.

As pessoas andam virando cada vez mais crentes. Tem até programa na televisão aberta todo dia falando na glória do nosso Senhor Jesus Cristo. Os pastores ficam evocando a imagem de Deus e falando mal dos vícios de cada um. Eles falam muito do vício de bebida. Sempre que eu vejo a televisão tem um indivíduo que foi resgatado do mundo do pecado pelo nosso Senhor Jesus Cristo. Eles contam histórias que são capazes de emocionar muita gente. Não me emociona, mas engana muita gente. Acho que é muito teatro para pouco milagre. E tem muito pastor por aí que me parece mais preocupado em pedir dinheiro do que em salvar as almas perdidas desse mundo. Se até em igreja é difícil encontrar santo, imaginem só na vida do dia a dia.

Talvez seja pelo dia a dia ser tão difícil que as pessoas acabem fugindo para o mundo dos deuses. Só os deuses são capazes de nos dar sentido para o que nós sentimos. Na verdade, ando pensando que nós ficamos sempre procurando sentido por esporte. Talvez por isso que tanta gente gosta de ler. A leitura é uma busca por sentido sem fim na nossa mente. Fernando Pessoa se aproveitou muito disso nos livros que ele escreveu. Pelo menos no Livro do Desassossego é assim mesmo: busca-se sentido para cada fragmento da vida que se revela na nossa insignificante existência.

Falando em hora do almoço, a Giovana e o Henrique discutiram feio. Ela tentou convencer o Henrique a mudar de ideia, mas ele não mudou. Por ele, nada de argentino por aqui. Ele que pague um hotel para ele. A Giovana começou a falar que aquilo não era bem assim e que ela tinha direito a receber o namorado aqui em casa. As coisas ficaram cada vez mais tensas até que o Daniel e eu conseguimos desconversar falando da Rayane, mas eu percebi que a coisa vai ficar muito difícil daqui pra frente.  

Depois de tudo que aconteceu, cheguei à conclusão de que o almoço é a hora sagrada para a briga em família. As pessoas parecem que guardam toda a raiva do dia anterior que não conseguiram diluir no sono e a vomitam na mesa enquanto comem. Não fazem isso na hora do jantar para não atrapalharem o sono para aguentar mais um dia. Estranha esta vida. Muito estranha. Talvez com a Glória do nosso Senhor Jesus Cristo isso mude, mas acho que milagre não dá conta disso.

(Esta é uma obra de ficção criada por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Diário: 21 de novembro de 2011

(Ilustração feita por Enthony Vieira exclusivamente para este blog)


21 de novembro de 2011.

Esses dias passou na televisão que o médico do Michael Jackson foi declarado culpado pela morte do Rei do Pop. Eu não dei muita atenção quando eu vi isso na televisão, nem escrevi sobre ela, mas com uma reportagem na televisão eu passei a pensar mais sobre ele. Michael Jackson foi o tipo de pessoa sobre a qual todo mundo tinha uma opinião. Não é possível ser indiferente ao Michael Jackson nos últimos 40 anos. Ele foi a trilha sonora para a vida de muita gente. Ele dançava muito e cantava tão bem quanto. Agora ficar viciado em anestésico é uma coisa muito louca. A insônia dele era tão forte que precisava de um anestesista profissional para dormir. Para ele, a véspera do sono devia ser uma tortura insuportável.

A pessoa quando tem dinheiro demais costuma fazer o que bem entende da sua própria vida e da vida dos outros. Com o poder que ele tinha, ele fazia qualquer coisa. Desde os videoclipes mais caros e mais bem produzidos até construir para si uma Terra do Nunca. Todo mundo tem traumas, isso é verdade, mas construir para si um rancho pra imitar a vida do Peter Pan é realmente muito estranho. Agora que o pessoal anda falando mais das músicas dele, provavelmente porque dá dinheiro, pararam de falar da sua vida pessoal. Só que nos dez últimos anos de vida ele só foi lembrado pela bizarrice dele. Lembro que vi um documentário em que ele dizia que dormia com as crianças na mesma cama e que era Peter Pan em seu coração.

Tem gente que diz que dinheiro traz felicidade. Considerando o caso do Michael Jackson, acho que isso é mentira. Dava para ver na cara dele o quanto ele era triste. Vazou até um áudio dele dizendo que não conseguia dormir e sofrendo muito. Impressionante como as pessoas vão atrás de dinheiro e não conseguem nada. A Giovana mesmo, ela quer estudar para ganhar dinheiro e ter uma vida estável aqui em Brasília. Agora, ela estável financeiramente não vai estar feliz de jeito nenhum. Ela vai continuar reclamando da vida e não fazendo nada que preste. Do jeito que ela é, é até capaz de largar o emprego aqui só para ir encontrar ou viver com o argentino dela.

O Henrique falou que não arreda o pé de jeito nenhum. A minha filha fica insistindo nisso de trazer o namorado dela pra dentro de casa. Conheço o meu marido, isso não vai acontecer. Os dois já começaram a se estranhar mais dia a dia. Andam se falando menos e discutindo ou se estranhando por qualquer coisa boba. Do sabor de um bolo que ele comprou aqui pra casa até da Giovana deixar a escova na sala. Nessa briga não queria ter que tomar partido por nada nessa vida, mas acho que vou ficar do lado do meu marido. A gente tem que ser coerente na hora de criar os filhos. Por que a Giovana não é que nem o Daniel, que conseguiu uma namorada para arrumar os seus defeitos todos? Isso diminuiria bem as minhas dores de cabeça e as dela também.


(Esta é uma obra de ficção feita por Fernando Fidelix Nunes. Toda sexta-feira você tem um novo episódio deste folhetim.)

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Diário: 17 de novembro de 2011

(Ilustração feita por Enthony Kevin exclusivamente para este blog)


17 de novembro de 2011.


O final de semana chegou e eu me pego escrevendo este diário enquanto todas as pessoas ao meu redor saem para se divertir. Sinto-me profundamente só. O Henrique ligou para avisar que vai sair para tomar uma cerveja com os amigos dele, a Giovana resolveu sair com as amigas dela dos tempos e UnB e o Daniel vai sair com a Rayane e até vai dormir na casa dela. Antes isso de dormir na casa de namorado ou namorada era um verdadeira escândalo, mas hoje todo mundo acha normal. Ando achando que ninguém pensa muito em mim aqui nesta casa. As pessoas parecem que olham para mim e atravessam o olhar sem perceber quem eu sou e que eu tenho necessidades tão normais quanto todo mundo.

Sobrou-me cozinhar para mim mesma, assistir a um pouco de televisão e esperar os outros. Engraçado que a minha vida não faz sentido por si só. Eu dependo dos outros para viver. Sem as pessoas à minha volta, eu não seria capaz de fazer nada. Engraçado que eu não sinto isso com as outras pessoas. Se eu simplesmente deixasse de existir, não haveria problema. No fundo as pessoas iam acabar se virando para fazer as coisas e iam sobreviver a tudo que lhes cerca. Eu não. Para quem eu ia cozinhar? De quem eu ia falar? Com quem eu conversaria esse tempo todo? Aqui em casa, nesse silêncio, enquanto o mundo vibra com a expectativa de um final de semana, eu só espero que o tempo passe e que as pessoas ao meu redor voltem para casa. Só isso que eu quero, mais nada.

Agora o tempo deixou de ser meu amigo. Quando a gente é jovem, o tempo sempre parece que vai nos ajudar. Olhamos o calendário e pensamos que no futuro tudo se resolverá facilmente. O corpo e a alma vão definhando aos poucos. Quando eu tinha 12 anos sonhava em ter 25 para poder viver uma vida melhor e mais plena. Hoje eu não quero nem imaginar como seria a minha vida aos 100 anos. Só de pensar eu fico arrepiada.

E o futuro próximo traz ainda uma reunião de fim de ano. Às vezes eu queria tirar umas férias para deixar isso de lado, mas não se tira férias da família. Minto, não se tira férias da família que mora na mesma cidade. A gente só continua vendo a família da mesma forma nas festas. Natal é sempre aquela falsidade toda. Sem ninguém querendo fazer nada pela outra pessoa de verdade. Tirando as crianças, os adultos esperam só a melhor hora para irem embora. Vamos ver como vai ser, porque hoje a inspiração não está nem um pouco perto de mim. Não sei nem por que fui escrever. Na verdade, sei sim. Para desabafar um pouco.

(Esta é uma obra de ficção escrita por Fernando Fidelix Nunes)

sábado, 27 de outubro de 2018

Poema Primavera


Primavera


A primavera merece mais
Do que beijos escondidos
Vestidos encardidos
E olhares para trás

A primavera merece mais
Do que lírios irritados
Méritos roubados
E críticos abusados

Esta primavera merece mais!
Mais do que margaridas indesejadas
Desculpas desajeitadas
E brigas camufladas.

Uma boa primavera precisa de mais!
Mais do que rosas murchas
De boas memórias enxutas
E de emoções sujas

A primavera merece mais!
Mais do que um lago que nega sua natureza
E cria vários redemoinhos
Para esconder suas impurezas.

Primaveras merecem mais!
Mais do que mentiras
Criadas por parasitas
De feras esquisitas.

A primavera merece mais!
Mais do que caminhos tortos,
Labirintos sem saída
E um coração seco.

A primavera merece um coração,
Um coração que pulsa
E inunda todo o corpo
Com sentimentos sem repulsa.

A primavera merece um sorriso sincero,
Que não diz palavras apenas
De quem espera um beijo
Sem truques ou coisas pequenas

A primavera quer mais!
Mais do que a indiferença
Da ausência na presença
De quem não sabe deixar o amor florescer


(Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Diário: 15 de novembro de 2011

(Ilustração feita por Enthoy Kevin exclusivamente para este blog)


15 de novembro de 2011.
               
Neste feriado senti orgulho do Daniel. Ele nem viajou com aqueles amigos dele. Ficou com a Rayane aqui em casa estudando e vendo filmes. Como uma mulher é capaz de mudar um homem. Conheci muita gente que tinha um vazio em sua vida que só podia ser preenchido por alguém que amasse bastante. Tinha um colega meu da 8ª série que tinha 18 pra 19 anos e não estudava nada. Ele se chamava Dorivaldo. Ele não aprendia muito nem se esforçava com nada. Ele era aquele tipo de pessoa que preferia ser levado para o lado errado pelos outros do que andar com os próprios pés para o lado certo.

Dorivaldo tinha tudo para ser um sem futuro que ia puxar uma enxada até o fim da vida, até que conheceu a Glória, que o levou para um caminho melhor. Ele começou a estudar e até se tornou um enfermeiro e tanto. Casou com a Glória e vivem juntos, pelo que eu sei, até hoje. Eu acho que a vida é meio assim mesmo. Uma grande paixão pode mudar tudo no nosso coração, independentemente do resto. A vida tem outro gosto quando estamos amando. É como se ela ganhasse cores em um filme preto e branco. É como no rádio: no meio das interferências que produzem sons que machucam a nossa alma, encontramos a sintonia perfeita. Tomara que o Daniel encontre o amor dele com a Rayane, finalmente.

Eu cheguei a amar o Henrique, mas de uns 10 anos pra cá as coisas pioraram muito. Parece que a responsabilidade de cuidar dos filhos nos unia mais. Quando eles cresceram, o fim da infância deles levou o nosso amor. E agora? O que temos para esta vida amarga? Falando assim parece até que a minha vida acabou. Acho que eu podia pensar em fazer uma faculdade para ver se melhoro alguns caminhos do meu dia a dia. Ler livros e escrever trabalhos e questionários são coisas muito melhores do que passar o resto da vida lavando roupa, panelas, pratos e limpando o chão que os outros pisam. Achei muito melhor ler o livro do Fernando Pessoa do que tudo que eu faço o resto do dia. A Giovana podia fazer isso, mas prefere ficar vendo besteira no computador.

Minha filha parece querer o namorado dela mais do que tudo. No fundo, ela acha que ele é a solução de todos os problemas da sua vida, mas não é. Ela precisa de um caminho em sua vida, mas que caminho a levará para outro lugar? Se ela me ouvisse, eu diria que é ela ajeitar a própria vida em vez de ficar procurando a felicidade nos outros. Eu diria para olhar para mim para saber aonde isso me levou. Mas ela não escuta, ela nunca escutará.


(Esta é uma obra de ficção feita por Fernando Fidelix Nunes)

A Felicidade Não É Deste Mundo


A Felicidade Não É Deste Mundo



Definitivamente, o preceito cristão de que a felicidade não é deste mundo nunca foi tão verdadeiro para mim quanto agora. O Brasil está à beira do abismo político e cultural como nunca esteve antes. No âmbito nacional estamos divididos entre Haddad, um homem com alguma habilidade política que foi o dedaço do Lula, e Bolsonaro, um frouxo fujão de debates que flerta com o totalitarismo e exalta a diminuição da dignidade humana.

Antes de continuar a minha reflexão, vejo-me na obrigação de indagar: onde estavam a imprensa e os poderes desta República para denunciar a fala de Eduardo Bolsonaro? Demorar mais de 100 dias para exigir uma retratação é um atestado de incompetência pura. Um deputado federal falar o que falou é um absurdo. Três anos atrás o nosso então Ministro da Educação, Cid Gomes, falou que o Congresso era composto por centenas de achacadores, o que lhe rendeu um “convite” para prestar contas diante do Congresso. E Dudu Bolsonaro? Publicou desculpas no Twitter e ouviu rascunhos de sermões prolixos. Neste momento, o Judiciário deveria ter uma presença democrática mais consistente e não dar respostas rebuscadas incompreensíveis ao cidadão comum que passou 12 horas fora de casa e assiste na televisão ou no celular a pronunciamentos insignificantes.

Voltando à falta de felicidade neste mundo, ficaremos tristes de todo jeito. Isso é um fato incontestável que acontece desde que este mundo é mundo. Bolsonaro não será capaz de levar o país a um desenvolvimento sustentável e todo dia vai ter de lidar com a oposição, o que não será nada fácil, tendo-se em vista a institucionalidade democrática. Haddad tem dificuldade até de lidar com o seu palanque, quanto mais com um país que implora por uma liderança capaz de tirá-lo do buraco sem fundo em que nos metemos. Contudo, Haddad tem uma vantagem que o deixa muito acima do rival: preza pela liberdade. E, como dizia Nelson Rodrigues, “a liberdade é mais importante que o pão” – e olha que esse escritor passou fome durante um bom tempo.

Apesar dos medos que tomam conta de milhões de brasileiros, sejamos sinceros: não seremos felizes de jeito nenhum. A felicidade não é para este mundo. Inclusive, a doutrina espírita ensina que existem outros mundos mais evoluídos para os quais vamos conforme evoluímos espiritualmente depois que passamos deste planeta, que é de provas e expiações. Religião à parte, o Brasil é um país de provas e expiações. O nosso sofrimento parece não ter fim. Olhamos para a nossa bandeira e temos vergonha da maneira como ela é usada pela política; pensamos na educação e sofremos com dados e realidades vergonhosas; lamentamos as misérias morais e econômicas – se as compararmos, obviamente, às nossas infinitas potencialidades –; tememos não sobreviver à violência; odiamos a leitura inteligente, como o Diabo odeia a boa ação; e não sabemos administrar os incontáveis conflitos familiares, que semeiam dia após dia a corrosão da alma muito mais do que qualquer questão política.

Por fim, não poderia deixar de falar da política do nosso Distrito Federal. Ambos os candidatos são uma vergonha. Sofreremos bastante com seus desgovernos futuros. Um tem uma rejeição inédita, e o outro é um cara que faz propagandas que flertam com o lado mais tosco do rorizismo, que parecia estar enterrado nesta primavera. Pelo menos, no fim das contas, Ibaneis diz que sabe abraçar as pessoas, o que tem o seu valor para tempos quase inconsoláveis.


(Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Diário: 11 de novembro de 2011

(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira exclusivamente para este blog)


11 de novembro de 2011.


Parece que o argentino resolveu comprar a passagem para o Carnaval aqui em Brasília. Ele deve achar que o Carnaval no Brasil inteiro é uma festa única. Que nada! Aqui em Brasília é uma vergonha muito grande. Não tem nada de bom, as pessoas só vão nuns bloquinhos bem ruins e ficam bêbadas para fazer besteira. Nove meses depois tem a consequência dos seus descuidos. Pena que para muita gente um bebê é uma consequência e não uma dádiva. Se com filho planejado é difícil imagina sem planejar. Deve ser por isso que o Brasil está nesse buraco todo.

Agora no fim do ano tá cheio de gente falando bem da Dilma. Dizem que ela está surpreendendo mesmo com a pouca experiência dela. Mas não tô achando que vai dar muito certo. O Henrique mesmo disse que o pessoal da política ainda tá testando ela. Vamos ver como vai ser. Não sou especialista em nada, mas na história do Brasil ser presidente nunca foi fácil. O pessoal falou que Fernando Henrique e Lula foram os primeiros presidentes na história do Brasil a serem eleitos democraticamente e terem terminado o mandato sem interrupção nem muita tensão. Eles eram bem rodados, já essa aí não sabe de nada. Eu vi ela falando na TV esses dias e não entendi nada. Vamos ver se ela melhora.

A Giovana começou a ficar falando com o Henrique expressões vazias e sem muito sentido. Eu estou vendo minha filha ficar angustiada demais com essa situação de não poder receber o namorado aqui em casa. Todo mundo tem problema na vida. Esse negócio da Giovana não é grande coisa, mas, como ela tem uma vida medíocre, qualquer coisa ajuda a piorar. A gente pode ver por aí que quem tem uma vida boa não se incomoda com coisa pequena e vai seguindo em frente até achar uma alternativa que resolva o que está errado. Se eu tivesse um espaço para conversar com a minha filha, eu falaria tudo isso pra ela. Mas se eu falasse com ela agora, ela não iria nem me dar bola. Nem compensa ficar perdendo tempo com isso.

Eu ando sentindo falta da Rayane aqui em casa. O Daniel falou que ela está estudando no final do semestre e terminando as coisas da faculdade dela. Que menina de ouro essa! Eu lembro que a Giovana não estava nem aí para estudar no final de ano. Agora até o Daniel está estudando, coisa que nunca fazia antes de conhecer essa menina. Até eu ando começando a pensar em estudar alguma coisa na faculdade. Agora ficar fazendo vestibular concorrido igual ao da UnB me desanima muito. E faculdade particular o Henrique não pagaria pra mim. Se desse eu estudaria mais de novo, muito mais. Pena que a gente não pode voltar no tempo. É que nem aquela música do Capital Inicial a minha vida: se eu ajeitasse os meus primeiros erros a minha vida seria muito melhor.



(Esta é uma obra de ficção criada por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Diário: 7 de novembro de 2011

(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira exclusivamente para este blog)


7 de novembro de 2011.


Esse Dia dos Mortos me fez pensar sobre muita coisa nesta vida. Impressionante a gente ter um dia para nós respeitarmos aqueles que já se foram. No meio dessa Babel de destinos e tragédias temos um único caminho: a morte. As pessoas costumam chorar muito em enterros, mas a gente só deveria se desesperar por algo inesperado. A morte não é algo inesperado para ninguém neste mundo. Talvez no outro mundo, mas neste mundo nada mais natural do que a morte. Estranho não é morrer, estranho é as pessoas se preocuparem tanto com a morte e a tratarem como a coisa mais difícil de se entender e sentir. Parece que a gente sempre procura um motivo para sofrer por qualquer contrariação que temos. Tem gente que fica de luto uma vida inteira, mas não adianta de nada, pois quem ou o que morre não vai voltar de jeito nenhum. O negócio é ir vivendo, independente do que aconteça. Engraçado que eu já escrevi essa frase um monte de vezes. Por que será?

Cada dia aparece uma coisa diferente na minha frente. Não consigo entender por que a Giovana quer tanto que o argentino venha aqui para casa. O Henrique diz que não vem de jeito nenhum. Eles até ensaiaram uma discussão, mas o Henrique estava de saída para o trabalho. Ele é assim, evita discutir ao máximo. Costuma conseguir sempre o que quer, mas ainda acho que vou ver uma breve novela na discussão entre eles. A Giovana sempre fica quieta e respeita o pai, mas dessa vez é diferente. Ela quer colocar a autoridade do Henrique de lado para viver o seu “amor”. Por que gente jovem se sente tão bem ao desafiar autoridade desse jeito em relação a tudo? Parece que a vida só tem graça para a minha filha se ela colocar os outros de lado e a sua vontade no meio de tudo.

Achei uma verdadeira pérola no livro do Fernando Pessoa. No fragmento 307, ele comenta sobre a estética do desalento. Ele diz algo do tipo: se a vida não apresenta beleza, precisamos aprender a ver a beleza na falta de beleza que a vida possui. Isso é extremamente verdadeiro em nosso coração. O mundo não é belo. Ele é feio como um funk desafinado. Sem harmonia e só fazendo o básico para entreter as pessoas. Achar beleza no que é medonho talvez seja o melhor caminho para a felicidade. Se eu conseguir ver isso na vida, eu acharei alguma coisa de bom nesta existência.

Dizem que na vida a gente tem um futuro demarcado de cabo a rabo. É como se nós tivéssemos um destino próprio para o restante de tudo. Tem gente que acha que somos nós que fazemos acontecer. Por que a gente nunca sabe de nada? Qual é a necessidade de tanto sofrimento em nosso coração? Eu queria que alguém me explicasse isso. Pena que não adianta nem procurar no Google para saber.



(Esta é uma obra de ficção escrita por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Diário: 2 de novembro de 2011

(Ilustração feita por Enthony Vieira exclusivamente para este blog)

2 de novembro de 2011.

Nascer no dia dos mortos deve ser uma sentença de que a pessoa carregará consigo uma energia terrível por toda a sua limitada existência. Deve ser o tipo de pessoa que traz a morte nos olhos e nas suas ações. Na verdade, eu estou só especulando. O Daniel mesmo nasceu no 7 de setembro e não dá conta de fazer nada que preste sozinho. Não me lembro nunca de ter conhecido ou de ter ido ao aniversário de alguém que nasceu no dia dos mortos. Mas eu também nem conheço tanta gente assim para falar das pessoas. Só conheço mesmo a minha família, e olhe lá.

Conheci muita gente nesta vida, mas é como se eu não conhecesse ninguém de verdade. Sabe, conhecemos as pessoas por máscaras. Atrás de cada atuação existe uma história e uma profundidade tremenda. Pego isso pelo livro do Fernando Pessoa mesmo. O personagem dele, na ficção, deveria ser visto como apenas um homem esquisito que não tinha muito a oferecer às pessoas, daí ele deixou uma obra maravilhosa e profunda. Acho que se as pessoas escrevessem, deixariam coisas maravilhosas de seus corações para as outras pessoas. Afinal, nem tudo é o que parece.

Acho que a Rayane domou o Daniel de um jeito muito estranho. Ele era um bêbado que não estava levando nada a sério neste mundo. É como se ela tivesse domado o espírito bruto do meu filho e tivesse trazido uma paz a ele impressionante. O estranho é que eu não entendo muito bem o porquê disso. Acho que foi só pelo sexo mesmo, porque eles são diferentes em tudo. Ela é bem mais quieta e na dela. Quando sai, é para ir com as amigas para um bar bem discreto ou uma dessas festa de rock. Não vi ela até agora falando de bebida com a gente nem de nada exagerado. No fim eu gostei dela, ela conversa com uma voz divertida tão bem sobre tantas coisas que estão ao nosso redor que eu me sinto meio hipnotizada por ela. O Henrique também aprovou a menina.

Agora a Giovana com esse argentino dela não tá com nada. Como pode uma menina que eu criei com tanto carinho ter ficado tão boba? Namorar alguém por ser um estrangeiro depois de uma aventura de semanas é um atestado de carência e estupidez. Mas a vida é cheia dessas idiotices. Afinal, só temos duas certezas nesta vida: que vamos morrer e cometer erros vergonhosos. Isso é muito fácil de falar, mas muito difícil de viver. Fico com pena da minha filha. Não deve ser nada bom ter um relacionamento assim. O pior que ela quer que o namorado venha para cá. Pelo visto o Henrique não gostou nada da ideia, mas isso só vai se resolver lá para dezembro ou janeiro.

Eu estou falando muito dessas coisas, mas não tenho muita moral para falar a respeito de relacionamentos. Casei com um homem que é incapaz de se abrir de verdade para mim. Não sei o que vai ser daqui pra frente, mas é provável que nada mude de verdade. Eu penso em muitas coisas que podem acontecer, mas no fim eu sei que nada vai mudar. Comigo, tudo muda para não mudar nada.

Pensei na minha mãe esses dias. Realmente, era uma mulher maravilhosa. Pena que ela não está aqui para me ouvir e me orientar mais. A gente sempre pensa que as coisas não vão acontecer conosco, mas acontecem. Nunca pensei que iria perdê-la assim. Só que a vida não para e nós temos que continuar e sermos fortes diante de tudo que está na nossa frente. Pena que eu não sou capaz de olhar para o futuro com um olhar positivo. Se o país pelo menos me animasse um pouco, mas não anima nem um pouco dentro de mim.

(Esta é uma obra de ficção escrita por Fernando Fidelix Nunes)

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Nossas Escolhas Eleitorais Têm Consequências


Nossas Escolhas Eleitorais Têm Consequências

Normalmente, as pessoas que produzem textos sobre política, ainda mais na véspera das eleições, costumam esconder as suas intenções dos seus leitores. É uma espécie de cinismo revestido de retórica. Este texto não! Sou honesto da primeira à última palavra em dizer que tenho como objetivo persuadir as pessoas a mudarem de posicionamento na última hora e votarem em Ciro Gomes para presidente neste domingo.

Sejamos sinceros: Bolsonaro e Haddad não possuem a menor condição de governar o Brasil nos próximos quatro anos. Um diz que vai botar os melhores para governar e acha que só há o exército no país – e em menos de um mês já teve que fazer o general mourinha exercer o seu direito democrático de ficar calado em sua plenitude.  E não possui a menor capacidade para discutir nada em um nível decente. Indagado sobre que imposto iria mudar, ele só soube gaguejar “poxa, Miriam!” e tentou desconversar dizendo que não era economista nem médico para ser específico em relação a duas das grandes aflições do nosso povo. Cenas lamentáveis que vão entrar para os anais da História do Brasil, provavelmente num tópico específico sobre ignorância e política no início do século XXI.

Haddad segue aquela tradicional malandragem de se dar bem na onda dos outros. Acordem! Ele não é o Lula, mas fica enganando os outros com um slogan do tipo “O Brasil Feliz de Novo”. Quem governará este país será o mesmo grupo que estava com Dilma, que sequer é mencionada por Haddad em diversos momentos. Ademais, enquanto o #elenão faz os generais terem fantasias juvenis com uma possível ditadura de araque, Haddad tenta estimular uma ilusão que não se sustentará na prática governamental dos próximos anos. O Brasil não voltará a ter entre 4% e 5% de desempregados; nem terá protagonismo econômico e político, já que Haddad não goza de sequer uma ínfima fração do prestígio e da capacidade política de Lula.

E o Ciro? Olha, nenhum dos candidatos tem o conhecimento dele sobre os problemas da nação brasileira. Impressionante, o candidato tem algo a dizer sobre praticamente todas as regiões e problemas daqui. Ele deixa claro que fará algo para que os brasileiros possam refinanciar suas dívidas e, consequentemente, tirarem o seu nome do SPC. Sobre a economia, ele deixa claro o que vai fazer para aumentar a receita da União e acabar com o assombroso déficit público: taxar as grandes heranças e cobrar impostos sobre lucros e dividendos, práticas recorrentes em outros países desenvolvidos. As reformas previdenciária e trabalhista do atual governo serão mudadas e o Brasil, segundo ele, discutirá nos primeiros seis meses de seu mandato um conjunto de reformas que realmente mudará o país, principalmente a reforma política.

Outra grande qualidade de um eventual governo de Ciro Gomes é a atenuação gradual do clima de tensão no país. PSL e PT, sem dúvidas, colocarão o país à beira de um conflito irreconciliável nas próximas duas décadas. De um lado, um cara que semeia o ódio em muitas de suas falas e prega um amor incondicional à diminuição da dignidade humana. Do outro lado, um homem que a cada tropeço vai ter que dar explicações sobre denúncias de corrupção e justificativas para atenuar equívocos grosseiros.

Ciro Gomes não se mistura com os principais equívocos dos seus adversários. Ele não confunde a autoridade que tem com o autoritarismo tosco de outros candidatos. Tampouco aceita ser fruto de um oportunismo político. Ciro foi convidado para exercer o papel de Haddad ou de Manuela na chapa com Lula. Sabem o que ele disse? Não! Ele não quer dever sua eleição à predileção que o povo tem por outro político. Se ele fosse o oportunista que pintam, teria aceitado de imediato, pois isso o levaria ao Palácio do Planalto certamente.

E por que não votar nos outros? Porque os outros não vão conseguir ir ao segundo turno e tampouco têm capacidade para governar o país nesta interminável crise. Você tem o direito de votar em outro candidato. Fazer o quê? Democracia é isso mesmo. Agora, não venha reclamar depois de uma incompetente ditadura militar de quinta categoria ou de uma indicação improvisada. Afinal, nossas escolhas eleitorais têm consequências.

(Artigo de opinião escrito por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Diário: 25 de outubro de 2011


(Ilustração feita pelo talentosíssimo Enthony Vieira exclusivamente para este blog)



25 de outubro de 2011


Que deprimente a ida dos meus filhos na manifestação. Quando eles voltaram aqui em casa com os cartazes sobre a manifestação, eu senti uma certa vergonha deles. Normalmente os pais e as mães sentem orgulho ao verem seus filhos sonhando e se manifestando para construir um país melhor, mas eu senti vergonha, muita vergonha. Se eu fosse lida, eu tenho certeza que iam dizer que eu sou uma mãe que não gosta dos filhos, mas isso é mentira. Eu amo meus filhos, e é por isso que eu sofro por eles. Eles escreveram coisas imbecis nos cartazes. Eles diziam algo assim: “A saída não é pela direita nem pela esquerda, é pelo fim da corrupção”, “O Brasil que eu quero tem mais educação”, “A luz que todos precisam é o senso crítico”, “A mulher que manda no seu corpo” e assim por diante.

São frases atraentes para olhos inocentes, mas que não mudam nada. Eu nunca conheci uma pessoa que mudou de ideia depois de ter lido um cartaz numa manifestação. Ninguém muda nada por ter lido um cartaz. Depois de um livro pode até ser, mas nunca depois de um cartaz. Cartaz é texto de primário. Só serve para enfeitar escola e fazer as pessoas “falarem” em manifestações. Esse povo acha que está mudando muita coisa quando não faz mais do que aparecer. Eles estavam até falando que tinha televisão filmando. Para fazer o que com isso? Nunca vou entender essa gente e também não faço a menor questão. Só perco tempo com isso.

Se eu tivesse um cartaz para escrever seria: “quero saber se sou traída mesmo”, “traição não é solução”, “o silêncio é a pior coisa que podem nos dizer durante a dor” (isso cairia melhor numa faixa para tomar conta do Eixo Monumental), “a saída é começar tudo de novo”, “quem acredita sempre é trouxa”, “intolerância é a tolerância que temos com a mediocridade”, “o sofrimento não é a terceira via” e “brigar pra que se ninguém me vê”. Estamos sempre nesse silêncio com o mundo que nos rodeia. As pessoas querem falar sem ouvir ninguém ao seu lado. Se começamos a década assim, não consigo imaginar como terminaremos esse prenúncio do caos inconformado.

Nossa... reli o que eu escrevi e vi que o Fernando Pessoa anda fazendo efeito em mim. Também, depois de ler o trecho 349, não dá para escrever qualquer coisa. Ele diz que a confidência é a mais vil de todas as necessidades. Livrar a alma do peso dos segredos realmente é bom para que nós sobrevivamos às nossas vidas. Sempre vai doer, isso é fato, mas não pode ficar tão ruim assim. O negócio é ir vivendo mesmo e aguentando Henrique, Tereza, Giovana, Daniel, Rayane, Dona Aurora e um país que parece ir pro precipício.


(Esta é uma obra de ficção feita por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Fingir a dor que deveras não sente


(fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-09/incendio-atinge-museu-nacional-no-rio-de-janeiro)

Fingir a dor que deveras não sente



Galera... a gente quase nunca vai a museu, mas botar fogo é sacanagem. Pô, nossa história virou pó em poucas horas. Assistimos pela televisão e lemos nos jornais a maior vergonha da nossa história. Temos dinheiro para bancar corrupção e campanhas políticas de mafiosos, mas não o suficiente para cuidar do nosso verdadeiro patrimônio: a cultura.

O descaso com o Museu Nacional no Rio de Janeiro também não é menor do que o descaso dos artistas com a cultura nacional. A produção do nosso tempo se pauta pela mediocridade e pelo conchavo, técnicas dignas do arcaico PMDB. Amigos se ajudam e omitem qualquer tipo de crítica só para que um círculo privilegiado tenha acesso à arte e à cultura. E emendamos: para ganhar dinheiro. Há autores e autoras que só querem saber de dinheiro. Tem gente que não se preocupa em fazer uma arte de qualidade, mas é louca para viver das qualidades do dinheiro provenientes da arte. Conseguem isso, pois o pacto da mediocridade é feito em larga escala.

As pessoas fingem sentir dor pela perda do museu. Não são como aquele dos versos de Fernando Pessoa, elas só fingem sentir as dores que não sentem. Cai bem um artista sentir dor pela perda do museu que nunca visitou, isso é licor de mediocridade com uma dose de prepotência daqueles que enterram a nossa cultura dia após dia. Muitos que foram protestar fazem, com a nossa cultura, o mesmo que o fogo fez com os incontáveis artefatos raros desta nação tupiniquim. Destroem silenciosamente qualquer relação do público com a arte enquanto sufocam o povo com a fumaça da estupidez inominável que degringola qualquer possibilidade de verdadeira arte verídica e do verídico, seus conspiradores filhos da puta (cá entre nós... o léxico do Ciro Gomes foi fundamental para encerrar este parágrafo).

Sejamos sinceros: a cultura tem sido paisagem para os artistas que andam mamando nas tetas do puxassaquismo e cagando na sociedade, que lhes tem servido de fralda. E o resto? O resto é perfumaria com preço de etiqueta vendido pela Amazon.

A bienal do livro de Brasília de 2018, por exemplo, não foi capaz de integrar leitor-cidade-escritor-obras. Só serviu para preencher a agenda cultural, isto é, ocupou espaços, não sentimentos e ações. Dessa forma, foi a tal mediocridade em forma de cultura. Também foi um fracasso capitalista. Todos os livreiros com que conversamos ficaram decepcionamos com o fluxo cultural-financeiro. Nem o pipoqueiro do lado de fora gostou. Ele disse: “a crise tá braba”. As viúvas de Renato Russo (essa burguesia socialite-socialista) estão matando nossa arte de todos os lados tentando preencher o vazio do amado com o primeiro idiota que aparece – diga-se de passagem que ele está muito longe dos padrões de estética, ética e produtividade do nosso tempo. Precisamos confessar que baixou o Trotsky no Renato na hora em que ele falou da burguesia.


Enquanto não percebermos a cultura que Brasília, eterna periferia cultural, realmente produz e obsecra por reconhecimento real, de fato, estaremos sujeitos às chamas da ignorância.

(Escrito por Fernando Fidelix Nunes e Renato Passos)