segunda-feira, 9 de abril de 2018

Tudo Muda para não Mudar Nada


Tudo Muda para não Mudar Nada


                O mundo é das injustiças e das incoerências; e, definitivamente, este não é um país sério. Primeiramente, é uma absoluta vergonha, na principal cidade deste país tropical, apenas a torcida da casa poder assistir aos clássicos regionais. Esse é apenas um dos sintomas da falta de democracia e civilidade em nosso país, ou seja, o futebol é apenas um reflexo da falta de tolerância em nossa sociedade, incapaz de mostrar sinais de melhora em vários setores.
O Palmeiras perdeu o título com uma série de problemas de arbitragem. Claro que a falta de sorte no gol e ineficiência nos lances ofensivos foram igualmente decisivos. Imaginem só o árbitro dar um pênalti e voltar na decisão, depois de quase dez minutos de debate, por conta da decisão do quarto árbitro, que estava ainda mais longe do lance! Eu acho que foi pênalti, pois a carga do Ralf em cima do Dudu foi exagerada e imprudente, mesmo que tenha pegado na bola. Já vi incontáveis faltas serem marcadas numa situação semelhante e serem justificadas pela mesma razão. No final ainda teve o Henrique desviando com o braço um cruzamento do meu Verdão. E o que aconteceu? Nada. Isso não acontece contra o Corinthians, que ano passado venceu o Vasco com a mão do atacante Jô, paladino da exaltação da ética futebolística quando lhe convém. Agora, seria muito mais lógico se houvesse o árbitro de vídeo. As pessoas questionariam muito menos o árbitro e ele não sairia do jogo desmoralizado pelos atletas, que, seguindo a canalhice intrínseca ao futebol, o pressionaram até na hora de marcar lateral no meio do campo. Não há qualquer justificativa para não ter a interferência do árbitro de vídeo em lances capitais, ainda mais numa final! Não custa tão caro assim para os padrões brasileiros. Infelizmente, as coisas são diferentes do que seria o melhor para todos. Nos pênaltis, o Corinthians foi mais competente e levou o troféu na nossa arena. Na verdade, na maioria das vezes, Palmeiras e Corinthians decidem um mata-mata nos pênaltis. Que falta que faz o Marcos numa hora dessas!
              Fazia 19 anos que Palmeiras e Corinthians não decidiam nada. A finalíssima daquele ano, que foi precedida pela conquista da Libertadores pelo Palmeiras (time responsável pela eliminação do Corinthians nesta competição), também teve muita confusão. O jogo nem acabou devido a uma pancadaria iniciada por embaixadinhas de Edílson, que nunca venceu a Libertadores. Naquela época, o Brasil também vivia muitas tensões. Desemprego, falta de perspectivas, incertezas internacionais e tensões políticas preocupavam muito o povo brasileiro. Um pedido de impeachment contra o então presidente Fernando Henrique Cardoso, feito pelo PT e com o apoio total de Lula, foi arquivado pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer. Inacreditável que tanto tempo depois as coisas não mudaram muito por aqui. A tecnologia avançou, as doenças mudaram, os remédios mudaram, mas parece que nossa institucionalidade ainda está mergulhada no mesmo buraco de sempre.
             Essa última semana talvez seja emblemática para a produção de textos absolutamente parciais. Os maiores defensores da imparcialidade e do equilíbrio na mídia e nas instituições seriam incapazes de difundir uma só linha a favor de seu raciocínio com as evidências dessa semana. A final do Paulistão e a repercussão da prisão de Lula são exemplos claros e inquestionáveis da parcialidade e da falta de responsabilidade de nossa sociedade. A página da Caneta Desmanipuladora deu um exemplo muito bom sobre as capas que trataram da histórica prisão de Lula. Numa foto ele é apresentado como um clandestino, em outra como um herói. Já dizia com tanta sabedoria o meu quase xará Ferdinand de Saussure: “o ponto de vista precede o objeto”.
                 Sobre a prisão do Lula, eu preciso desabafar: é sério que o juiz Sérgio Moro acreditou que o Lula ia se entregar em Curitiba às 17 horas de sexta-feira? Era óbvio que não! Quando eu vi a notícia, eu sabia que era mais uma decisão que não ia seguir o prazo. E depois foi acontecendo uma estranha negociação em que quase ninguém dava certeza do que ia acontecer, muito menos quando. Talvez seria melhor se tivessem chamado o Galvão Bueno para narrar do que os comentaristas de política, que foram ridículos ao repetirem à exaustão as informações e demonstrarem que não estavam à altura da importância do momento. Mas vamos dar um crédito, pois exigir que saia uma melancia de um pé de limão é demais. No fim das contas, o Lula foi preso, como queriam alguns e lamentaram outros. O ex-presidente, que chegou a ser carregado pela massa e impedido de sair da sede do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo, deve ter tido como consolo nesta semana ao menos o título do seu time de coração, o Corinthians.
                Ontem eu ouvi na CBN um especialista em Direito Penal discutindo a parcialidade dos juízes, principalmente devido à celeridade do processo de Lula. Ademais, o comentarista defendeu veementemente que, no processo contra o líder das pesquisas de intenção de voto para presidente do Brasil, o réu não foi tratado de forma semelhante aos demais, ou seja, a imparcialidade ficou de lado, segundo o especialista, nesse caso também. Claro que ele também não é imparcial, e eu muito menos. Quer saber minha opinião? Lula foi se relacionar demais com gente sem vergonha, deu chance para o azar, “brincou de Deus e se queimou”, como diria Ciro Gomes - que por "coincidência" se apresentava em 1998 e 2002, tal qual o faz hoje, como alternativa para a dicotomia entre PT e PSDB. Agora tem gente que fez coisa muito mais pilantra e com muito mais evidências e “não dá nada, parcero”. Vejam só os déficits monstruosos de estados e municípios por aí e vejam quantos governadores e prefeitos foram responsabilizados. Vejam também os movimentos contra a corrupção. Uma vergonha não terem puxado um dia de manifestação contra Michel Temer, que já venceu duas denúncias e, como este não é um país sério, vai sair ileso da terceira sem uma única manifestação de vários grupos que são contra a corrupção.
            De fato, somos parciais, incoerentes, praticamos injustiças e às vezes somos vítimas, dependendo do ponto de vista, da justiça. Espero que o futuro mude, mas tudo indica que teremos confusões que serão bastante semelhantes ao nosso passado. Infelizmente, não imitaremos as glórias ou os grandes feitos, mas sim os seus acontecimentos mais estapafúrdios. Duvida? Acompanhe os próximos capítulos desse seriado nacional que nem o mais criativo dos roteiristas seria capaz de fazer e me diga se eu estou errado.


(crônica escrita por Fernando Fidelix Nunes)

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