Acabei
de completar 30 anos e não tenho a mínima ideia de como será esta década que se
segue para mim. O Brasil tem mais de 500 de idade e quase 200 de independência
e não sabe, eu, filho dessa mãe gentil, com meus meros 30 vou saber? Poucas
vezes me senti tão brasileiro quanto hoje. Nem no tetra ou no penta eu senti o
espírito nacional tão forte dentro de mim. Não tenho ideia se organizarei a
massa para a construção da URSAL; se seguirei a carreira acadêmica; se tentarei
a vida de escritor por muito mais tempo – com exceção do diário, que terminarei
sem qualquer dúvida –; se me casarei e terei filhos; se continuarei espírita;
se o Palmeiras será campeão mundial; se vou conseguir terminar de ler a obra de
Tolstói; se estarei no mesmo apartamento apertado e aconchegante.
É um senso
comum da vida privada dizer que o futuro a Deus pertence quando estamos em uma
encruzilhada. Realmente, o senso comum tem o dom de nos tirar a
responsabilidade dos nossos atos por meio de uma simplificação grosseira. Os
religiosos que me perdoem, mas não tem nada de Deus nisso. O principal ser
responsável por nosso destino somos nós mesmos aliados às circunstâncias em que
estamos inseridos. Dito de outra forma: na vida você é você e a relação que você
estabelece com o mundo. Simples assim. E nem me vem reclamar da repetição de
você, porque aqui tenho licença poética. Se quiser uma reflexão detalhada sobre
isso, aconselho a leitura do livro Discurso
e Contexto, de Tean A. Van Dijk. Ele detalha isso de forma minuciosa por
mais de 300 páginas.
Falo do texto
do Van Dijk só para dar um argumento de autoridade, porque sei que ninguém vai
ler o livro depois da citação numa crônica de um blog marginal. Imaginem que eu
fui a um congresso acadêmico com a nata da pesquisa em Análise do Discurso na
UnB e, depois de perguntar sobre a visão do Van Dijk sobre o contexto em
oposição à visão do saudoso M.A.K. Halliday, tive a impressão de que a maioria
das pessoas não tinha a menor ideia do que eu estava falando. Portanto, se a
turma que era para ler é do fã clube da dupla “não li e não lerei”, não há
precedentes para que o grande público leia. Agora se fosse algum diário
obsceno, tenho certeza de que teria mais leituras e até estudos. Tenho outras
impressões do evento, mas as deixarei para as próximas crônicas. Afinal, sou um
escritor que gosta de prender a atenção dos leitores para os próximos textos.
Nos altos e
baixos dos meus 30 anos, eu já vi muita coisa neste país, mas a nossa situação
política é peculiar demais. Saramago e García Márquez devem estar olhando do
céu para cá pensando: “inventamos histórias inimagináveis, mas falhamos, pois
seríamos incapazes de fazer algo parecido com a América do Sul de hoje”. De
fato, o nosso contexto irreal é provavelmente a nossa obra-prima. Venezuela em
frangalhos, Argentina importando nossa crise e Brasil numa disputa única em sua
história, fora as incontáveis perversidades deste continente.
Pensei que
teríamos um quebra-pau daqueles nos debates para os principais cargos do
executivo. Ledo engano. Todo mundo na mais absoluta paz de espírito. Os debates
parecem conversa de amigos que discordam com uma respeitabilidade digna dos
mais finos manuais de retórica. O povo esperando que a próxima pessoa a
governar tenha gana de brigar com unhas e dentes pela nação e com a vontade de
constranger a picaretagem alheia. Como diria um ex-aluno meu: “dá nada não
parceiro”. O povo vai “marcar um dez” com as peripécias da vida enquanto as
coisas não se resolvem. Definitivamente, cenas lamentáveis.
Esta nação
brasileira não tem a mínima ideia aonde vai nos próximos anos. Mais de um terço
quer o Lula presidente para o Brasil ser como era na década passada; um quinto
mais um pouco quer o Bolsonaro, seja para tornar este país mais esquisito, seja
por ser a única chance da elite enfiar políticas liberais de qualquer jeito; um
quinto não quer votar em nenhum sem vergonha para não se arrepender depois; e o
resto fica dividido entre os demais candidatos. Em outras palavras, o país não
tem a mínima ideia do seu rumo. Lamentável pensar assim, mas é o fato que nos é
imposto. As decisões que tomaremos nos próximos meses, infelizmente, serão
apenas convencionais. Ninguém, além dos fanáticos, tem qualquer convicção de
que o futuro será para “glorificar de pé”.
Os
candidatos, assim como os eleitores, estão perdidos. Daciolo diz que vai botar
o Brasil no topo das economias globais, ou seja, promete implicitamente um
crescimento instantâneo de 30 % do PIB por ano de governo, um milagre econômico
raiz; Bolsonaro dá a entender que os alunos estudam mais ideologia de gênero do
que Química nas escolas (para revolta absoluta de uma dedicada professora de
Química que eu conheço) – ademais, anda usando uma metáfora de namoro/casamento
curiosa em relação ao seu homem da economia; Lula acha que vai dar um segundo
dedaço na sucessão e que será melhor do que no tempo do Fernando Henrique;
Alckmin diz que vai fazer pelo Brasil o que não fez por São Paulo; Álvaro Dias
se arruma como Fábio Jr para tentar atrair a mulherada; Boulos acredita que se
expressar bem e ter convicção é a mesma coisa que governar bem; Amoêdo
realmente acha que é uma novidade ser conservador nos costumes e liberal na
economia; Marina crê que desqualificar Bolsonaro é suficiente para governar o
Brasil; e Ciro Gomes pensa que enganou o povo sobre a URSAL, grande plano oculto
que está subentendido em seu plano de governo, assim como os projetos da Nova
Ordem Mundial.
Pior
do que o quadro nacional, sem dúvida, é o quadro distrital. Assisti aos dois
debates. Uma vergonha total. Quanta inconsistência. Desmoralizar o atual
governador é muito fácil. É só dizer: “governador, e o eixão que está caído há
mais de 6 meses?”. Acabaria o debate e o atual governador não teria o que fazer,
muito menos o que dizer. Definitivamente, cenas lamentáveis.
Cada um pensa
uma coisa e ainda vão fazer alianças no segundo turno, o que é um recurso
coesivo absolutamente incompreensível na construção da (in)coerência textual de
nossa nação. Se bem que eu não tenho muita moral para falar, porque eu também
ando meio sem rumo por aí.
(Fernando Fidelix Nunes)