O Futuro da Ciência Brasileira
Escrever
sobre o futuro costuma ser uma prática muito desacreditada em nossa sociedade.
Por um lado, existem pessoas que ao fazê-lo erram brutalmente as suas
previsões, que costumam ser baseadas em achismos de toda ordem – alguns
relacionados, inclusive, às mais diversas divindades. Por outro lado, a vida hipermoderna
é marcada por instabilidades políticas, ambientais, econômicas, tecnológicas,
psicológicas e sociais – variáveis cada vez mais interligadas entre si – que
desafiam os pesquisadores mais sérios a estabelecerem uma perspectiva precisa do
futuro. Entretanto, a probabilidade de algumas coisas acontecerem é
extremamente óbvia para os próximos anos, principalmente em relação à
sobrevivência da ciência em nosso país. Sim, sobrevivência, pois precisaremos
lidar com recursos extremamente escassos e desafios perversos para continuar a
construção do conhecimento para as mais diversas áreas de pesquisa.
Nos últimos
anos, o desenvolvimento científico do Brasil tem sofrido duros golpes,
especialmente a desvalorização do conhecimento acadêmico e a diminuição de
investimentos. Alguns setores já estavam dando sinais claros de debilidade
antes da crise econômica que tende a continuar nos próximos anos. Os cursos de
licenciatura das universidades privadas do Distrito Federal, por exemplo,
deixaram gradualmente de existir. Alguns ainda sobrevivem no ensino a
distância, mas sua sustentabilidade, sua qualidade e seu prestígio estão longe
de serem atrativos para as novas gerações.
Sair de uma
conjuntura dessa natureza é extremamente difícil e é absolutamente impossível
se continuarmos querendo a manutenção do antigo modelo para todos os
profissionais. Com isso, não quero dizer que devemos destruir ou diminuir o
valor das instituições públicas de ensino, responsáveis pela maior parte da
nossa produção científica. No contexto brasileiro, precisamos lutar para que
elas continuem de pé e atuando de forma efetiva na construção e na difusão do
conhecimento. Entretanto, fica cada vez mais evidente que uma quantidade
elevada de graduados e pós-graduados não conseguirá ocupar os cargos tradicionais
do mercado de trabalho. Algumas profissões, como a de professor(a) de português
e matemática, tendem a continuar existindo, ainda que com salários mais
reduzidos, mas esse quadro tende a ser mais crítico para outras áreas, como:
filosofia, história, sociologia, artes e comunicação.
A saída mais
plausível para os próximos anos é popularizar o acesso ao conhecimento
acadêmico e o registro perene de debates e conteúdos acadêmicos por meio dos
novos canais de comunicação, especialmente no YouTube. Um dos fatores de
desmoralização da cultura acadêmica parece ter sido a pouca exploração dessa
plataforma para difundir o conhecimento por meio de pesquisas e debates
consistentes sobre temas relevantes para a sociedade contemporânea, como: o
poder do discurso populista, a implementação de metodologias de ensino mais
eficientes e a política econômica brasileira. Como o pensamento científico não
foi predominante nessa plataforma nos últimos 10 anos, temos hoje discursos
absurdos lutando pela hegemonia em alguns grupos da sociedade, como o caso de
pessoas absolutamente convictas de que a Terra é plana.
Para tanto,
podemos associar a nossa rotina de estudo e produção acadêmica, dentro do
possível, a uma rotina de práticas ligadas ao YouTube. Como sou professor de
Português e doutorando em Linguística, darei mais exemplos ligados à minha
área, mas que sem dificuldades podem ser incorporadas a outras áreas do
conhecimento.
Como
acadêmicos, por regra, temos uma rotina de leitura bastante vasta e profunda
sobre diversos temas. Em vez de guardar nossas leituras e observações em
fichamentos e anotações privadas, podemos publicar vídeos simples em que
discutimos as obras e os temas que estamos lendo e, por consequência, difundir
o conhecimento acadêmico de forma mais prática para a sociedade. Precisamos
manter, após o fim da pandemia, o hábito de gravar e publicar debates e
entrevistas acadêmicas, pois, ao serem publicados no YouTube, tornam-se um
precioso material de estudo para sustentar a hegemonia acadêmica com base em
estudos científicos sólidos. Por fim, precisamos publicar vídeos que expliquem
de forma mais objetiva conceitos de grande interesse por parte do grande
público, como o fazem os dicionários científicos. Deve-se ressaltar que os vídeos
devem ter títulos sem sensacionalismos que ajudem o grande público a encontrá-lo
pelos buscadores de forma mais fácil e prática.
Esse conjunto
de práticas pode ser mais atraente a jovens pesquisadores das áreas de ciências
humanas, que enfrentarão o lado mais delicado da crise, pois terão muita
dificuldade de obter um emprego remunerado em áreas convencionais de ensino e
pesquisa pela quantidade escassa de recursos ofertados pelo poder público nesta
década. O YouTube permite diversas formas de remuneração, principalmente por
meio da veiculação de anúncios publicitários e campanhas de financiamento
coletivo. Além disso, um canal no YouTube bem sucedido pode ajudar a construir
uma reputação acadêmica que facilite o acesso à docência em instituições de
ensino superior, principalmente as privadas, e a publicação de livros autorais
sobre temas ligados à sua área de atuação profissional. Dessa forma, torna-se
possível uma inserção sólida do conhecimento acadêmico na nossa sociedade.
Algumas
associações e editoras começaram, no contexto da pandemia, a ter uma maior
capilaridade na sociedade. O canal da ABRALIN (Associação Brasileira de
Linguística) já chegou a 15 mil inscritos; a Parábola Editorial, principal
editora da área de Linguística, alcançou 13.600 inscritos; a Editora Contexto
possui quase 16 mil inscritos; e a Companhia das Letras já tem cerca de 50 mil
inscritos. Esses canais fortalecem o discurso acadêmico e ajudam na formação
continuada não só de pesquisadores, mas também de diversos grupos sociais sobre
temas centrais da contemporaneidade, como: o combate ao racismo, metodologias
de ensino para a educação básica, os usos das novas tecnologias na vida social
e o papel imprescindível da arte para as sociedades contemporâneas.
Esses números
podem parecer humildes se comparáveis a canais de YouTubers populares, mas,
antes de ser um obstáculo, isso deve ser visto como uma oportunidade para
expandir o papel do conhecimento científico na vida cotidiana. E precisamos
lutar bastante nesse processo, pois trata-se de uma guerra por sobrevivência
antes de qualquer coisa.
(Fernando Fidelix Nunes)