sexta-feira, 31 de maio de 2019

Diário: 12 de junho de 2012

(Ilustração feita por Enthony Keven para este blog)


12 de junho de 2012.

Ser uma mulher casada que se sente sozinha é bastante complicado. Chega uma hora em que o casamento deixa de ser a verdadeira paixão e passa a ser apenas uma formalidade sobre a vida. Nós permanecemos unidos um ao outro não por amor, mas por conveniência. Sendo sincera, acho que nunca nem passei pelo estado da verdadeira paixão com o Henrique. Nunca amei o Henrique de verdade. Acho que tive a fantasia de pensar que o casamento poderia ser uma saída para o sofrimento perene da vida. É só o amor que dá sentido à vida. Talvez, seja por isso que eu nunca tenha conseguido encontrar um sentido pleno para a minha existência.

A vida caminha a passos largos e eu, pobre mortal, caminho passo a passo para a escuridão da vida. Ninguém sabe a dor verdadeira que o outro sente, mas a minha parece ser maior do que as demais. Nossa! Acho que ando vendo bastantes pedras no meio do caminho. Acho que deveria fazer uns poemas para relaxar um pouco. Escrever versos é melhor para aprofundar-nos tudo em todas as palavras. É... ando pensando bastante coisa e não fazendo nada. Esses dias mesmo eu pensei em pedir para o Henrique pagar uma faculdade para mim. Acho que eu iria querer fazer direito. Conhecer as leis seria o máximo. Só de imaginar as pessoas me perguntando sobre as leis em busca de orientação, eu fico muito mais animada. Afinal, é muito melhor quando te perguntam sobre as leis do que sobre limpeza e culinária. Fazer o quê? A vida é assim mesmo.

Acho que hoje consegui cumprir minha promessa de passar a escrever só sobre mim e o que eu sinto. Nada de falar de datas ou coisas tenebrosas da vida pretérita. Nossa! Acho que ler o Drummond (finalmente aprendi a escrever o nome dele direito!) está me deixando com o vocabulário melhor. Desse jeito vou levando até jeito para ser advogada. Vamos ver aonde a vida vai dar.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Diário: 31 de maio de 2012

(Ilustração feita por Enthony Keven)


31 de maio de 2012.

A Giovana está muito chateada. O governo resolveu diminuir o IPI logo agora. Os carros todos caíram de preço do dia pra noite. A Giovana ficou pensando muito nisso nos últimos dias. Toda hora era uma piadinha: “que falta que esse IPI me faz? Ah! Se o meu IPI voltasse, dava para comprar umas coisinhas pra mim”. Não me lembro bem do que ela falou mais, mas eram coisas desse tipo. Nossa! Se a minha filha lesse meu diário ia adorar fazer uma aulinha do uso de “mais” e “mas” com esse exemplo. Parece que quanto mais espontânea a língua mais clara ela fica.

Este mês me traz muitas recordações ruins do ano passado. Acho que encarnei o meu lado Rita Lee e resolvi mudar e fazer o que eu quero fazer. Preciso começar a escrever o meu mundo interior os meus sonhos mais ocultos. Quero mergulhar na minha alma. Preciso esquecer um pouco a minha família e deixá-los ocultos nos meus escritos. Afinal, eu escrevo esse diário para mim.  Achei um companheiro ideal para mim. Tem um livro do Drummond aqui em casa que é cheio de frases dele sobre vários assuntos.

A primeira frase que mexeu comigo foi que “A ingratidão é o imposto cobrado à generosidade”. O ser humano é assim mesmo: ingrato em tudo na vida. Essa frase deveria estar em cartazes por todas as ruas para dizer que o mundo tem outro valor e outro foco do que é necessário para as relações das nossas vidas tenham sentido e fraternidade profunda. Isso é que deveria ser ensinado na escola. Usar a língua na vida real prática é muito mais importante do que viver a vida “normalmente” nessa perda de tempo e de interesse pelo ser humano.

A vida é, realmente, uma ingratidão à verdadeira generosidade.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Diário: 14 de maio de 2012

(Ilustração feita por Enthony Keven)


14 de maio de 2012.

Resolvi fazer de hoje o meu dia de verdade. Um dia de libertação dessa vida à toa. Dei a desculpa de que a inflação estava alta e disse que precisa andar pelos mercados para conferir como poderia economizar mais. Para mim, o Extra é sempre melhor, mas a minha família nem desconfia. Resolvi aprontar das minhas fugas. Saí com um caderninho, que ficou em branco até o fim do dia. De manhã eu resolvi andar pelo Parque da Cidade até mais ou menos onze e meia. Ele anda meio caído, mas ainda é encantador, ainda mais quando tá tudo verdinho e brilhante. Resolvi até beber uma água de coco para ver se conseguia relaxar melhor numa daquelas cadeiras de ferro de bar de esquina. O contato com a natureza é capaz de revigorar a alma. Essa natureza vale a pena, já as das minhas relações familiares não valem realmente nada.

Cheguei em casa e fiz o almoço bem simples, sob o pretexto de fazer mais uma caminhada. Inventei que os peixes do Carrefour do shopping aqui do final da Asa Norte tinha um bom preço para peixe e frango, mas que no resto das coisas não compensava muito. A minha família fez o de sempre: fingiu que ouvia, mas não prestou atenção em praticamente nada. Só o Henrique que me deu um beijo áspero e morno.

À tarde resolvi andar pelo Olhos d´ Água aqui no fim da Asa Norte. Entrei no mato virgem de mim mesma e aproveitei um pouco a mata e a pista. O sol estava forte, mas valeu a pena cada passo. Eu comprei um pão e joguei os pedaços para os peixes. Tão bonito ver os peixes todos juntos atrás de um pedaço de comida. É simplesmente maravilhoso viver assim, com liberdade de tudo. A segunda-feira nunca foi tão linda para mim.

Para terminar eu ainda passei no Extra e decretei o que era do meu costume: o Atacadão costuma ser mais barato, mas o Extra é bem mais prático e eu vou continuar indo ao Extra. Só passo nos mercadinhos aqui perto por serem ainda mais práticos no dia a dia da gente. Pena que essa aventura foi uma espécie de saidão que resultou na minha volta à prisão domiciliar.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Diário: 13 de maio de 2012

(Ilustração feita por Enthony Keven)


13 de maio de 2012.

Hoje parece que voltei no tempo. Tudo está como antes. Fomos ao Mangai e aproveitamos o “meu” dia da melhor forma possível para a minha família: sem eu cozinhar. Meu marido nem me ama mais, mas parece aficionado com a ideia das convenções sociais. Ganhei aqueles presentes de sempre: sabonete, perfume, vestido discreto e um par de brincos. A minha família é muito estranha, inclusive eu. Mas hoje, na fila do Mangai, eu reparei que a vida é um pouco mais igual do que eu imaginava. Olhei para as outras mulheres. Senhoras de 50 ou 60 anos reunidas com a família e perdidas em si mesmas. Embora separadas, estávamos unidas pela indiferença. Olhávamos para o nada, nossas famílias nos ignoravam e o mundo parecia um teatro de fantoches guiados por uma obrigação tosca e vazia.

Por que a vida tem desses becos sem saída para o coração humano? A gente tem alguma saída? Eu pensava em algo do tipo quando fui sugada pela minha vez na fila de pegar comida. Como seria uma vida diferente? Eu realmente queria ser amada de verdade. Não pelos meus filhos, família ou amigos, mas pela vida. Não quero saber da vida de jeito nenhum. Pelo menos não da vida que eu tenho.

sábado, 4 de maio de 2019

Diário: 2 de maio de 2012

(Ilustração feita por Enthony Keven para este blog)



2 de maio de 2012.

Às vezes a rotina suga a nossa alma e nossos sonhos. A rotina, muitas vezes, é o próprio inferno na Terra. Hoje lavei roupas, cozinhei, fui ao mercado e ajeitei a casa. Sinto-me exausta por completo. Mas venho escrever em sinal de resistência. Resistência a esse mundo sujo e mesquinho cheio de privilégios. Privilégio que eu carrego nas costas. Se não fosse eu, o que seria da minha família? Eles não dariam conta de fazer nada. E eu sem eles o que seria? Acho que eu teria asas para voar no infinito dos sonhos. Viajaria muito e sempre para onde eu quisesse sem olhar para o chão e pensar que vou lavá-lo. Eu nem olharia para o chão, pois estaria nas nuvens do paraíso da liberdade. Liberdade é o que eu sonho realizar um dia.... um dia.

Pelo menos eu desabafei um pouco no meu diário, mas hoje, definitivamente, eu perdi a batalha.