sexta-feira, 12 de julho de 2019

Diário: 22 de junho de 2012

(Ilustração feita por Enthony Keven)

22 de junho de 2012.

Hoje eu me peguei pensando: que dia é hoje? Não digo nem dia com número e mês não, mas dia da semana. Eu sinceramente não sei que dia é que dia. Tanto faz a segunda, a sexta ou o sábado para mim. São dias em que sou cheia de obrigações que torcem a minha porta, a minha roupa e a minha alma. Talvez, por isso minha família olhe para mim com um olhar mais cínico e queira me presentear com a ausência de trabalho no meu fabuloso aniversários. Afinal, as pessoas gostam mesmo é de serem servidas pelas outras neste país.

Será que sempre foi assim? Quando a gente serve aos outros esquecemos da gente em vários momentos. Às vezes eu me pergunto: e agora? Me sinto um personagem de um poema do Drummond diante da vida, aquele José. Minha filha vive falando essa expressão em tom de brincadeira aqui em casa quando algo sério acontece. Esses dias ela viu a Dilma sem graça na televisão e falou em tom de deboche: “e agora, Dilma?”. Agora que ela não é nenhuma novidade para ninguém, todo mundo está colocando as manguinhas para fora neste país para criticá-la. Começa com deboches e sabe-se lá como termina.

A minha família acha que consegue esconder de mim os planos deles para o meu aniversário. Estão muito errados. Passo o dia inteiro em casa cuidando das desarrumações deles e sei cada pista que eles deixam sem nem perceber. A Giovana, com o salário dela de professora, comprou um vestido da C&A e o Daniel, com a ajuda da Rayane, comprou uma sandália mais bonita para mim. Duas coisas que eu nem sei quando vou usar com ou sem a minha família.

Com tudo isso, no final do dia me olhei no espelho e disse para mim mesma: “e agora, Márcia?”. Acho que a resposta a essa pergunta seria o meu verdadeiro presente de aniversário. Às vezes acho que o fim do mundo neste ano não seria uma coisa tão ruim assim.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Diário: 20 de junho de 2012

(Ilustração feita por Enthony Keven)


20 de junho de 2012.

O mundo está bem esquisito para mim. Sinto que estou no meio de uma névoa sem paisagem de fundo. A vida de certa forma é assim mesmo: névoa pura no meio da escuridão do mundo. Ando meio triste mesmo. Acho que eu era muito iludida com a vida. Eu esperava chegar à idade que eu tenho pronta para comemorar e celebrar a vida como ela é. Mal sabia eu como realmente era a vida. Se eu soubesse que na Capital da Esperança eu iria encontrar tamanha solidão em frente a um balde, um pano, um rodo, roupas e todo tipo de sabão. 

Todo dia eu penso naquele livro do Fernando Pessoa. Ele era capaz de contemplar a vida com uma beleza singular digna da felicidade até nos piores momentos. Se bem que nem ele nem eu passamos pelos piores momentos da vida. Nunca enfrentamos uma só guerra, uma só miséria de fato. Na verdade, eu não sei muito sobre a vida do Fernando Pessoa para dizer isso, mas eu acho que ele nunca passou por nada demais.

Voltando aos panos e às roupas, vou confessar uma coisa para o meu diário. Eu já tentei falar com os materiais de limpeza. Acho que tenho uma relação mais próxima com eles do que com a minha família. Essa é uma verdade que me dói bastante. A verdade é uma dor imensurável. Nossa como eu reclamo da vida.

Pelo menos vai ter as Olimpíadas para me distrair um pouco aqui em casa. E vai ser em Londres. Dá para ver todos os eventos importantes durante o dia. Na da China eu não consegui ver quase nada direito por conta do horário. Pelo menos assim a faxina fica mais agradável para mim. Talvez eu até fale um pouco com os atletas, pelo menos é melhor do que falar com coisas.