A Política
do Eufemismo
A
ideia mais repetida por mim nas crônicas deste blog é a de que vivemos, nos
últimos anos, numa realidade que nenhum grande nome da literatura conseguiria
prever, isto é, a nossa realidade provavelmente será a principal obra de ficção
da história da humanidade. Saramago (apesar de ter produzido “Ensaio sobre a
Cegueira”), Mário de Andrade ou Clarice Lispector jamais conseguiriam expressar
a angústia dos nossos tempos e, muito menos, o seu surrealismo trágico. Daqui a
20 anos, iremos olhar para este momento da história com um profundo e confuso
assombro. Além das dores cotidianas que afligem a alma humana – como problemas
familiares, amorosos e profissionais –, lidamos com duas das mais cruéis faces
da vida humana: a morte e o sofrimento diante da nossa inépcia total para lidar
com um problema tão grave e caótico.
Nessa
conjuntura, observamos o uso indiscriminado de eufemismos para discutir a
realidade brasileira. Para quem não lembra ou não teve aula sobre o assunto, o
eufemismo é uma figura de linguagem que consiste, basicamente, na suavização do
significado de um enunciado por meio de expressões que lhe tirem o “peso”. Em
vez de dizer “ela morreu”, por exemplo, dizemos que ela não está mais entre nós
ou que ela se foi. O que é estranho hoje é a maneira manipuladora como o
eufemismo vem sendo utilizado, especialmente no atual contexto político e
social.
O
amigo do Queiroz anda chamando o novo coronavírus de “gripezinha” e “resfriadinho”
de forma recorrente. Trata-se de uma pandemia que pode matar uma parcela
considerável da população, principalmente idosos, e destroçar social e
economicamente a sociedade brasileira. Ainda fala em ter histórico de atleta
que lhe dá forças para sair imune da doença. O cara é incapaz de fazer flexões
direito, mesmo antes da facada, e fica pagando de atleta para enganar trouxa. É
um ótimo exemplo de uso do eufemismo para manipular e dissimular os fatos reais.
A sorte do brasileiro é que ministros, deputados, senadores, governadores e
prefeitos estão sendo mais responsáveis e eficientes que um presidente que
espalha a confusão a todo custo. No fim das contas, ele gosta e sente um prazer
inenarrável ao ser o centro das atenções de polêmicas toscas.
Do
ponto de vista econômico, o governo projeta que o PIB do Brasil vai crescer 0%
neste ano, contra todas as expectativas globais de tombo da economia brasileira
e global. Diante de uma visível manipulação, eu vi comentaristas dizerem que é
uma “previsão otimista” por parte do desgoverno. Previsão otimista diante de
todas as variáveis contrárias é pura e simples manipulação institucional para
enganar conscientemente a população mais exposta a essa crise, que precisa ser
acolhida de forma mais eficiente para não cair nos braços da ignorância e do
obscurantismo.
Por
fim, aconteceram “mudanças” nas regras de concessão de bolsas de estudos dando
prioridade a áreas de retorno imediato. Isso quer dizer que querem dilacerar as
ciências humanas para que se tornem áreas cada vez mais sucateadas e sem
perspectiva futura sólida para seus pesquisadores. Não se trata de uma troca de
prioridades, pois são áreas já marginalizadas do ponto de vista do investimento,
mas de um ataque à cultura e ao conhecimento capaz de fazer o ser humano
ampliar a sua sensibilidade e mudar diversas políticas públicas para combater o
subdesenvolvimento da sociedade brasileira. Claro que o investimento nas
ciências humanas, como em todas as áreas, pode ser discutido e modificado, mas
a maneira como foi feito esse processo é sorrateira, tosca e inadmissível.
Neste
momento, o Brasil e o mundo precisam, acima de tudo, de conhecimentos e ações
técnicas para confrontar as crises múltiplas oriundas da pandemia do novo
coronavírus. A humanidade precisa pensar no seu bem-estar com base nas
orientações das autoridades técnicas da área de saúde para conter a expansão da
pandemia, ou seja, seguir em quarentena e com cuidados redobrados com a higiene
– o que, para se materializar, precisa do auxílio do Estado Brasileiro,
principalmente, por meio de vouchers.
Já a mente pode ser tratada por meio da abertura de diálogos com várias pessoas
próximas e de grandes nomes da literatura, da filosofia, da psicologia, da
sociologia, da antropologia, da linguística, do direito, das ciências
políticas, enfim, da humanidade.
(Fernando Fidelix Nunes)