Tudo Muda para não Mudar Nada
O
mundo é das injustiças e das incoerências; e, definitivamente, este não é um
país sério. Primeiramente, é uma absoluta vergonha, na principal cidade deste
país tropical, apenas a torcida da casa poder assistir aos clássicos regionais.
Esse é apenas um dos sintomas da falta de democracia e civilidade em nosso país,
ou seja, o futebol é apenas um reflexo da falta de tolerância em nossa
sociedade, incapaz de mostrar sinais de melhora em vários setores.
O Palmeiras
perdeu o título com uma série de problemas de arbitragem. Claro que a falta de
sorte no gol e ineficiência nos lances ofensivos foram igualmente decisivos. Imaginem
só o árbitro dar um pênalti e voltar na decisão, depois de quase dez minutos de
debate, por conta da decisão do quarto árbitro, que estava ainda mais longe do
lance! Eu acho que foi pênalti, pois a carga do Ralf em cima do Dudu foi
exagerada e imprudente, mesmo que tenha pegado na bola. Já vi incontáveis
faltas serem marcadas numa situação semelhante e serem justificadas pela mesma razão. No final ainda teve o Henrique
desviando com o braço um cruzamento do meu Verdão. E o que aconteceu? Nada.
Isso não acontece contra o Corinthians, que ano passado venceu o Vasco com a
mão do atacante Jô, paladino da exaltação da ética futebolística quando lhe
convém. Agora, seria muito mais lógico se houvesse o árbitro de vídeo. As
pessoas questionariam muito menos o árbitro e ele não sairia do jogo
desmoralizado pelos atletas, que, seguindo a canalhice intrínseca ao futebol, o
pressionaram até na hora de marcar lateral no meio do campo. Não há qualquer
justificativa para não ter a interferência do árbitro de vídeo em lances
capitais, ainda mais numa final! Não custa tão caro assim para os padrões
brasileiros. Infelizmente, as coisas são diferentes do que seria o melhor para
todos. Nos pênaltis, o Corinthians foi mais competente e levou o troféu na
nossa arena. Na verdade, na maioria das vezes, Palmeiras e Corinthians decidem
um mata-mata nos pênaltis. Que falta que faz o Marcos numa hora dessas!
Fazia
19 anos que Palmeiras e Corinthians não decidiam nada. A finalíssima daquele ano, que foi
precedida pela conquista da Libertadores pelo Palmeiras (time responsável pela
eliminação do Corinthians nesta competição), também teve muita confusão. O jogo
nem acabou devido a uma pancadaria iniciada por embaixadinhas de Edílson, que
nunca venceu a Libertadores. Naquela época, o Brasil também vivia muitas
tensões. Desemprego, falta de perspectivas, incertezas internacionais e tensões
políticas preocupavam muito o povo brasileiro. Um pedido de impeachment contra
o então presidente Fernando Henrique Cardoso, feito pelo PT e com o apoio total
de Lula, foi arquivado pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Michel
Temer. Inacreditável que tanto tempo depois as coisas não mudaram muito por
aqui. A tecnologia avançou, as doenças mudaram, os remédios mudaram, mas parece
que nossa institucionalidade ainda está mergulhada no mesmo buraco de sempre.
Essa
última semana talvez seja emblemática para a produção de textos absolutamente
parciais. Os maiores defensores da imparcialidade e do equilíbrio na mídia e
nas instituições seriam incapazes de difundir uma só linha a favor de seu raciocínio
com as evidências dessa semana. A final do Paulistão e a repercussão da prisão
de Lula são exemplos claros e inquestionáveis da parcialidade e da falta de
responsabilidade de nossa sociedade. A página da Caneta Desmanipuladora deu um
exemplo muito bom sobre as capas que trataram da histórica prisão de Lula. Numa
foto ele é apresentado como um clandestino, em outra como um herói. Já dizia
com tanta sabedoria o meu quase xará Ferdinand de Saussure: “o ponto de vista
precede o objeto”.
Sobre
a prisão do Lula, eu preciso desabafar: é sério que o juiz Sérgio Moro
acreditou que o Lula ia se entregar em Curitiba às 17 horas de sexta-feira? Era
óbvio que não! Quando eu vi a notícia, eu sabia que era mais uma decisão que
não ia seguir o prazo. E depois foi acontecendo uma estranha negociação em que
quase ninguém dava certeza do que ia acontecer, muito menos quando. Talvez
seria melhor se tivessem chamado o Galvão Bueno para narrar do que os
comentaristas de política, que foram ridículos ao repetirem à exaustão as
informações e demonstrarem que não estavam à altura da importância do momento.
Mas vamos dar um crédito, pois exigir que saia uma melancia de um pé de limão é
demais. No fim das contas, o Lula foi preso, como queriam alguns e lamentaram
outros. O ex-presidente, que chegou a ser carregado pela massa e impedido de
sair da sede do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo, deve ter tido como
consolo nesta semana ao menos o título do seu time de coração, o Corinthians.
Ontem
eu ouvi na CBN um especialista em Direito Penal discutindo a parcialidade dos juízes,
principalmente devido à celeridade do processo de Lula. Ademais, o comentarista
defendeu veementemente que, no processo contra o líder das pesquisas de intenção
de voto para presidente do Brasil, o réu não foi tratado de forma
semelhante aos demais, ou seja, a imparcialidade ficou de lado, segundo o
especialista, nesse caso também. Claro que ele também não é imparcial, e eu
muito menos. Quer saber minha opinião? Lula foi se relacionar demais com gente
sem vergonha, deu chance para o azar, “brincou de Deus e se queimou”, como diria
Ciro Gomes - que por "coincidência" se apresentava em 1998 e 2002, tal qual o faz hoje, como alternativa para a dicotomia entre PT e PSDB. Agora tem gente que fez coisa muito mais pilantra e com muito mais
evidências e “não dá nada, parcero”. Vejam só os déficits monstruosos de
estados e municípios por aí e vejam quantos governadores e prefeitos foram
responsabilizados. Vejam também os movimentos contra a corrupção. Uma vergonha
não terem puxado um dia de manifestação contra Michel Temer, que já venceu duas denúncias e, como este não é um país sério, vai sair ileso da terceira sem uma
única manifestação de vários grupos que são contra a corrupção.
De
fato, somos parciais, incoerentes, praticamos injustiças e às vezes somos
vítimas, dependendo do ponto de vista, da justiça. Espero que o futuro mude,
mas tudo indica que teremos confusões que serão bastante semelhantes ao nosso
passado. Infelizmente, não imitaremos as glórias ou os grandes feitos, mas sim
os seus acontecimentos mais estapafúrdios. Duvida? Acompanhe os próximos
capítulos desse seriado nacional que nem o mais criativo dos roteiristas seria
capaz de fazer e me diga se eu estou errado.
(crônica escrita por Fernando Fidelix Nunes)