sexta-feira, 27 de julho de 2018

Diário: 29 de agosto de 2011

(Ilustração feita por Enthony Vieira exclusivamente para este blog)


29 de agosto de 2011.

A televisão gosta de ficar falando de gente estrangeira. Estão há um mês falando duma tal de Amy Winehouse, até gravei como se escreve o nome dela. Mais uma que morreu por conta de droga demais na cabeça. Fico pensando se meu filho não vai acabar assim também. Acho que ele não está usando só álcool e cigarro. Tenho convicção, as provas são questão de tempo só. O Reinaldo Gianechini (acho que escreve assim) acabou de sair do hospital. Perder um homem desse seria um pecado nas minhas novelas. Falaram que um tal de Steve Jobs anda meio mal de saúde. Vi uma reportagem que ele é o responsável por uma verdadeira revolução na vida das pessoas. Falaram dele como se falassem de um Deus, um Buda ou algo do tipo. Esse povo da tecnologia é assim mesmo tratado igual a um ser sobrenatural e superior.

Falaram na tv do Michael Jackson. Parece que ele ia fazer aniversário nesta semana. A vida passa rápido mesmo. Eu lembro de ver o Michael Jackson jovem sempre fazendo uma coisa nova. No fim da vida todo mundo maltratava a imagem dele, até ele mesmo. Não tinha um jornal que falasse um “a” a respeito das qualidades dele. Era todo tipo de defeito sendo jogado na nossa cara. Aí ele morre. O que acontece? O povo chora e faz a maior babação pra ele. É tipo o Reginaldo. As pessoas falam dele hoje com um respeito muito grande, mas em vida não era bem assim.

Agora eu sinto pena mesmo é do povo do Rio de Janeiro. Na televisão, não vem uma notícia boa de lá. Só tem desgraça. É morte de turista, engarrafamento, arrastão, corrupção no estádio, favela em guerra e tudo de ruim. Tem muita guerra civil que não é igual  ao Rio. Tudo aos olhos do Cristo Redentor. Bem estranho isso né? O pessoal assalta turista debaixo das saias de Jesus. Vai entender esse mundo como ele é. Talvez Deus queira ver como seus mais queridos filhos suportam o peso da vida em meio ao paraíso tropical. Às vezes eu confesso que gostaria que meus filhos passassem uns perrengues para ver se eles aguentam. Eles não ralam de verdade, vivem a vida como se nada de mal fosse lhes acontecer.

Eu acho que ando reclamando da vida à toa também. Olhei pela janela e vi um mendigo andando humilhado pela vida. É estranha a relação que a gente estabelece com um mendigo na vida. A gente vê que ele está numa situação tenebrosa e não faz nada de concreto para melhorar a vida dele. Somos hipócritas demais nessa vida. Eu olho essa cena e vou ver televisão. Nesse momento, sei, lá no fundo, que eu não sou digna dos privilégios que tenho com a vida.

Sinto-me parte do vazio do passado. Cada palavra de hoje parece o eco de uma decisão errada lá de trás. Agora falta saber o que devo fazer para sair disso. O quê?


(Esta é uma obra de ficção criada por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Diário: 23 de agosto de 2011




(Ilustração feita por Enthony Vieira exclusivamente para este blog)


23 de agosto de 2011.

Hoje consegui terminar as coisas de casa mais cedo. O almoço foi requentar uma sopa de carne de ontem. Daí foi só lavar e “aproveitar” o resto do dia. Peguei o finalzinho do Vídeo Show e fui ficando na TV mesmo. Passou pela enésima vez Lago Azul na Sessão da Tarde. Impressionante que eu já vi esse filme umas 5 vezes, mas nunca lembro do nome de nenhum personagem. Vi hoje mesmo e não lembro.

O filme foi só pano de fundo para eu pensar na minha vida. Acho que as pessoas não assistem reprises por apreciar um filme. Não. As pessoas assistem para conseguirem retomar uma espécie de tempo perdido do momento em que viram o filme pela primeira vez. É bom para esquecer as dores do presente. É uma fuga que eu me dou por 2 horas, como se eu dissesse “não sou obrigada a aguentar essa droga de vida”.

A Giovana falou comigo uma coisa que me surpreendeu. O William está escrevendo poemas. Ela ficou de me mostrar algo bastante interessante. Minha filha tem um gosto esquisito. Ela fica falando coisas muito estranhas com o argentino. Ela fica nessa de namoro de longe. Por que uma pessoa decide namorar alguém com quem ficou apenas algumas semanas? Será que a carência desse povo é tão grande assim? Vai entender como as coisas andam na cabeça desse povo.

Eu realmente tenho ficado muito dispersa. Reli aqui o meu diário e vi que nem comentei sobre o dia dos pais. Mas também né... pra que eu ia falar do óbvio? Fiz uma Paella especial aqui em casa. Afinal, era dia para eu cozinhar “um pouco”. Meus filhos deram presentes e vimos um filme qualquer depois. Até quando eu vou aguentar o óbvio e o inexpressivo? Isso eu não sei. O Henrique me abraça, mas eu continuo me sentindo sozinha no deserto da minha vida.

O Daniel continua se perdendo. Andou faltando umas aulas na faculdade para sair com os amigos. Ele arruma qualquer motivo para sair com os amigos e não fazer suas atividades. Esses dias ele quase faltou no estágio por conta de ressaca. Meu filho é uma vergonha. Queria ter o poder de voltar no tempo e criá-lo de um jeito diferente. Só que ninguém volta no tempo, não há como voltar atrás nas nossas decisões. Como se fosse possível voltar para frente. Queria ser tão boa para ver os erros da minha vida como fui agora para ver um erro da língua. Minha filha diz que esse tipo de coisa não é erro, mas ela também não acha errado namorar o primeiro que aparece e mora em outro país.

(Esta é uma obra de ficção escrita, assim como os demais dias do diário, por Fernando Fidelix Nunes) 

terça-feira, 17 de julho de 2018

Somos Croatas?

Somos Croatas?


Acabou mais uma Copa e as minhas crônicas sobre ela. A França, como era claramente esperado, levou para casa a taça, o que resultou, infelizmente, nas típicas cenas lamentáveis: devaneios alcoólicos, confusões de massa, confronto com a polícia, destruição do patrimônio público e privado, diminuição da produtividade da população no dia seguinte, desrespeitos diversos à dignidade humana, exposição exacerbada de uma pessoa cometendo ações constrangedoras para sua imagem e assim por diante. Sinceramente, senti um pouco de inveja. Espero há 16 anos por esse momento aqui nas terras tupiniquins. Infelizmente, terei de esperar mais quatro se o Brasil não faturar a Copa América no ano que vem.

Vamos ao jogo! O goleiro croata foi uma vergonha para a nação. Os quatro gols franceses eram defensáveis, inclusive o pênalti. Ele ficou muito afobado e inseguro. É como se dissesse para si mesmo durante o jogo: gente, já chegamos longe demais e não somos dignos da taça. Ele, definitivamente, foi a principal arma da França na final. De resto, os franceses passearam com a elegância intranquila de um personagem balzaquiano acostumado a se dar bem sem esforço. Leiam O Código dos Homens Honestos para entenderem melhor o que eu estou falando. Os croatas precisam melhorar para levantarem uma taça! Precisam olhar para si mesmos e dizerem com o peito estufado: "nós somos dignos desse título e faremos por onde". Perderam, visivelmente, na baixa autoconfiança.

Modric (meu corretor não permite acento no "c" - isso que é um croata de verdade!) mereceu ser o melhor da Copa. Só um gênio é capaz de levar a Croácia a uma final. O grande feito é deles! Se bem que na vida, muitas vezes, queremos ser como a Croácia. Sim, queremos ir além das expectativas das pessoas que nos cercam e da maneira como nos rotulam. Sejamos sinceros! Ninguém esperava ou espera algo do futebol croata. Os mais respeitosos só diziam: "tem bons jogadores" e "vai dar trabalho". E o que eles fizeram? Tirando a final, foram até o fim e aproveitaram ao máximo as falhas dos adversários e exploraram ao máximo as suas qualidades. Acho que deveríamos aprender muito com a Croácia. Nem sempre o segundo lugar é uma derrota. O segundo lugar demonstra a força deles diante das outras 30 seleções que ficaram para trás. Na vida, o segundo lugar entre tantos outros costuma trazer muitas coisas boas, exceto no amor. No amor só o primeiro lugar vale, o resto é paisagem.

Ah! Também teve uma pelada no sábado em que os belgas venceram os ingleses. Uma vergonha o tanto de puxa-saco para o futebol belga. "Vejam como jogam", "eles são bons mesmos", "não é à toa que eliminaram o Brasil" e blá blá blá. Insisto: não fizeram nada demais para essa badalação toda. Só chegaram ao terceiro lugar porque os outros times deram mole. Simples assim.

E o Brasil? Volta pra casa cheio de vergonha e cabisbaixo. Se quiserem se redimir de verdade, precisam jogar a vida e encantar a todos nos jogos da Copa América. Aí sim uma chance de salvar esta década perdida em todos os sentidos.

(Fernando Fidelix Nunes) 




sexta-feira, 13 de julho de 2018

Diário: 21 de agosto de 2011


(Ilustração feita por Enthony Vieira, exclusivamente para este blog)


21 de agosto de 2011.


Ontem teve o almoço na casa dos meus sogros. Estavam lá o Gustavo, filho do Dênis e da Joana. Ele estava contando como era o trabalho na Câmara. Falou que estava no protocolo da Câmara dos Deputados mexendo com o registro de processos que circulam pelo nosso berço da democracia. Ninguém entendeu direito o que ele anda fazendo, mas a gente entendeu que ele está ganhando muito dinheiro e não tem muita dor de cabeça, ou seja, ele se exibiu e mostrou a sua vida quase perfeita. Ele realmente chegou no auge. O que uma pessoa aqui de Brasília pode almejar mais do que um trabalho desses? Ganha cinco dígitos tem umas regalias e parece não trabalhar muito. Além de tudo isso, por onde anda essa pessoa gera um respeito. As pessoas olham com respeito, admiração e inveja. Tudo misturado! Admiram o mérito da pessoa, mas gostam de diminuir por fora. Vai entender esse povo de Brasília.

Tinha muita gente da família lá, mas quem chamou a atenção foi quem estava lá escondido. O William ficou no quarto arrumando motivo para não conversar com ninguém. A minha sogra falou que estava doente, só que a Conceição me falou que é tudo farsa para não falar com os outros. As coisas são assim mesmo. Tem gente que quer fazer o que quer e não aguentar as consequências. Ela me disse que o William acha que olham para ele de um jeito estranho. Estranho é o jeito dele. Querer ser chamado de Alana e ainda se vestir de mulher é uma coisa muito ruim. A família já tentou psicólogo e tudo o mais com esse rapaz, mas não resolveu nada. Tem jeito que não tem jeito.

A Giovana diz que tenta falar com ele sobre as coisas e que a família é muito injusta nesse assunto. Eu nem quis entrar em confusão com minha filha e logo mudei de assunto. O Henrique ficou estranho o evento inteiro. Ele parecia querer saber algo a mais sobre tudo que a Tereza fazia ou pensava. Ele ainda gosta dela. Acho que isso dói mais em mim do que qualquer tapa que ele já me deu. Tenho a certeza que se ela dissesse para ele “vamos fugir e deixar tudo para trás?”, ele ia aceitar e largava tudo. Podia até ir viver em um deserto bem longe de tudo e de todos por ele. Ele toparia pedir transferência para qualquer lugar do Brasil para ir atrás dela. Pena que na minha ocupação não existe muita coisa a se fazer quanto à transferência e eu continuo no meu deserto em Brasília. Falando nisso... eu tive aquele sonho com a Esplanada dos Ministérios de novo. O que será que um deserto na Esplanada deve querer dizer? Pena que eu não tenho com quem compartilhar isso.

Acho que ando precisando de umas doses de literatura. Umas comprinhas também não iam me fazer muito mal. Acho que ando precisando renovar as coisas, mas o Henrique nunca ia me dar o dinheiro que preciso para isso. Talvez eu ande precisando ler algo além do Fernando Pessoa. Quem sabe minha filha pode ser útil nisso ao menos uma vez na vida. Pelo menos ela pode fazer algo, já o Daniel não dá conta de nada.


(Escrito, assim como os demais dias do diário, por Fernando Fidelix Nunes)

domingo, 8 de julho de 2018

Faltou o Improviso Audacioso

Faltou o Improviso Audacioso
               

Confesso que estou atrasado, mas o abatimento da eliminação e a vontade de curtir as minhas férias foram suficientes para eu adiar essa crônica sobre a Copa do Mundo. Foi uma atuação ruim, lamentável e desastrosa. Foi o suficiente para estragar a melhor sexta do ano: quase início de recesso, salário na conta e jogo da seleção. Quando somos eliminados de uma Copa do Mundo, nunca pensamos que o fomos pelo mérito do adversário. Nós sempre saímos com a sensação de que as falhas do nosso time foram muito maiores do que qualquer coisa. O jogo contra a Bélgica não foi exceção. Apesar do belo segundo gol, nós falhamos num gol contra e, principalmente, deixamos passar as oportunidades, que só tiveram cara de Brasil com Renato Augusto. Sim, fizemos dois gols e fomos eliminados.

Pareceu que apenas Douglas Costa, Renato Augusto e Fagner representaram bem o espírito brasileiro. Foram raçudos, persistentes e, principalmente, eficientes em suas funções. Menino Jesus precisa amadurecer muito, muito mesmo. Chegou à linha de fundo e tentou cavar um pênalti em vez de chutar ou cruzar. Decepcionante isso vindo de um ex-palmeirense. Neymar se jogou durante o jogo numa ocasião tentando cavar pênalti. Na Vila Belmiro isso até funcionava, mas com árbitro de vídeo esse tipo de atitude é de uma estupidez inominável. Ele ainda teve a audácia de colocar numa rede social que pensa em largar o futebol. Ele acha que engana quem? Pior que ele engana muito trouxa por aí. Esse narcisismo faz muito mal ao futebol dele. A equipe dele, incluindo os “parça”, precisa falar com ele urgentemente sobre isso.

E ainda precisamos ver a imprensa enchendo a bola da Bélgica. “Os únicos que venceram 5 jogos nesta Copa”, “esse time é bom mesmo” e outros truísmos deixariam um Machado de Assis incrédulo diante de tanta idealização romântica. Os caras vencem Tunísia, Japão, Panamá e os reservas da Inglaterra antes de nos vencerem. Isso é vergonhoso. Eles não mostraram nada demais até agora. O goleiro teve uma atuação legal, mas não foi lá essas coisas também. Vale destacar que o goleiro belga tem feições divergentes dos padrões de beleza instituídos pelo estilo de vida ocidental, o que ajuda a confirmar a minha tese de que bons goleiros não podem ser galãs.

Insisto que para a próxima Copa não podemos ter um goleiro galã. Em qualquer outra posição tudo bem, mas na de goleiro não. Goleiro da Seleção Brasileira precisa ser esquisito, com cara de malandro, cheio de caretas estranhas e, principalmente, feio. Alisson é só mais um exemplar dos nossos goleiros galãs que não suportam uma Copa do Mundo. Vejam só os três goleiros do Penta: Marcos, Dida e Rogério Ceni. Os três eram peculiares. Dida nunca sentia qualquer tipo de emoção. Quando o Corinthians ganhou nos pênaltis o Mundial de Clubes em 2000, ele sequer saiu correndo para comemorar. Rogério Ceni batia até faltas. E Marcos era o rei das caretas nas defesas difíceis.

Sobre Tite, concordo que ele é um encantador de serpentes. Em dois anos não ensinou seus atletas a vencerem as adversidades. Dava para ver a cara de desespero dos atletas durante o jogo. Também faltou tirar um ou mais coelhos da cartola. Num jogo tenso o Brasil só é capaz de reverter um placar por meio de uma atuação individual absurda. Além dos incontáveis exemplos de Romário em 1994, podemos lembrar o jogo contra a Inglaterra em 2002. Além de ter dado uma bela assistência para Rivaldo empatar, Ronaldinho Gaúcho foi capaz de arriscar uma falta direta para o gol da lateral da intermediária. Todos esperavam um cruzamento dali, mas o bruxo foi capaz de mandar a bola no ângulo. Acho que foi o gol mais incrível que eu vi até hoje numa Copa do Mundo. Isso é ser brasileiro. Precisamos recuperar o improviso impensável e audacioso. Temos quatro anos para isso.

De resto, acredito que a França é a única digna de levantar a taça, pois mostrou um futebol técnico, eficiente e de uma superioridade indiscutível em todas as partidas. As outras seleções parecem muito incompletas e pouco confiáveis. A Bélgica não tem nada demais, como eu disse. A Croácia foi trombando com equipes medianas até chegar entre as quatro melhores. E não me venham falar que detonaram a Argentina, porque a Argentina já estava destroçada antes de entrar em campo. A Inglaterra só tem o artilheiro, porque teve pênaltis ao seu favor e também jogou com equipes sem muita qualidade técnica. Só que é futebol né? Em futebol, tudo é possível.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Diário: 16 de agosto de 2011


(Ilustração feita por Enthony Vieira exclusivamente para este blog)


16 de agosto de 2011.

Como eu ando desanimada para escrever. Na verdade, a minha vida é que anda ruim mesmo. Não adianta mentir para o diário. Aqui é o lugar da verdade nua e crua da minha existência que eu escondo de todas as pessoas. No sábado vai ter ainda um almoço em família. O William vai. Dizem que ele anda muito mal, mas que na frente da família nesses eventos ele dá uma segurada. Só dizem que ele fica chateado quando o chamam de William. Ele quer que o chamem de Alana. Na frente dele eu até falo Alana, mas a minha vontade é dizer: “William, você é homem, rapaz!”. Ele não é meu filho, ainda bem. Tem coisa que a gente só pensa a respeito, mas não fala. Não fala, mas pensa.
           
O Henrique saiu e chegou muito tarde de sexta pra sábado. Chegou até com uma caneta de um chaveiro da W3 Norte. Muito estranho isso. O que ele fez que precisou de um chaveiro? Ele respondeu qualquer coisa, mas não conseguiu me convencer. Homem tem essas coisas mesmo estranhas e sem sentido. Não deve ter sido nada demais.

O meu filho teve uma ressaca muito ruim nesse último sábado. Na verdade no domingo. Ele chegou em casa domingo umas 7 horas vomitando até a alma. Como boa mãe que sou, cuidei dele e passei a dar os velhos conselhos de toda mãe: “não bebe tanto, meu filho”, “ficar desse jeito é um perigo” e o clássico “isso que dá andar com essa gente”. Ele não respondia, só vomitava. No fim sei que estou com a razão, mas, como o próprio Fernando Pessoa diz, não fiz isso com destreza. Sem destreza, a razão é apenas um detalhe.

Homem tem esse negócio de achar que se beber vai ficar com mais mulheres. De onde os homens tiraram isso? Tenho certeza que essa gente acha que bebendo muito e, como já ouvi meu filho dizer, “pegando geral”, vão conseguir ser alguma coisa na vida. Isso é ridículo. A vida não se resume a isso. A vida tem muito mais a oferecer. Pena que eu não entendi isso a tempo. A gente sabe das coisas na maioria das vezes, mas não quer enxergar o óbvio. A vida é óbvia para quem sabe enxergar o que está bem na nossa frente. Queria que a razão se misturasse à emoção. Mentira. Queria que a razão virasse coragem.

domingo, 1 de julho de 2018

A Diferença Entre os Meninos e os Homens na Copa da Rússia


A Diferença Entre os Meninos e os Homens


         Tenho tirado muitas reflexões com a análise desta Copa do Mundo. Infelizmente, a necessidade de publicar os textos, que são absolutamente perecíveis se comparados a um ensaio, me faz correr com a escrita e não terminá-la como gostaria. Mas crônica que segue.

A Argentina não sabe perder nem aprender com a derrota. Isso soa estranho para uma seleção que perdeu e sofreu todo tipo de vexame nos últimos 25 anos, mas é a pura verdade. Apesar de França e Argentina terem conseguido fazer um esplêndido 4x3 para a seleção da terra de Balzac, Victor Hugo e Flaubert contra a seleção da terra natal de Borges e Sabato, o resultado não demonstrou o jogo. A todo instante a Argentina estava rendida, isto é, os argentinos já aceitavam a derrota antes mesmo do fim do jogo. O observador ou a observadora mais distraídos podem até pensar que, quando nossos rivais fizeram o terceiro gol e foram correr atrás do milagroso quarto, era um time com raça e tentaria ir até o fim. Pelo contrário, em vez de deixar o jogo fluir, eles já arrumaram uma confusão tosca e imbecil, recorrente em competições sul-americanas. Pareceu que eles fizeram isso inconscientemente para atrapalhar a si mesmos. Eles mesmos perceberam que não eram dignos do título e, como eu já disse em outra crônica, os argentinos deixaram o presente de lado e viveram das dores do passado e do iminente resultado adverso futuro, o que é a certeza absoluta da frustração no esporte e na vida.
         
        Vale a pena fazer um exame detalhado de Messi. O craque argentino andava pelo campo o tempo todo cabisbaixo. O time errava um chute, Messi ficava introspectivo e cabisbaixo. O time levava um gol, Messi olhava para baixo como se estivesse procurando algo. E, de fato, ele estava procurando. Ele procurava a si mesmo. Um homem considerado o melhor do mundo no que faz não ser capaz de transformar a sua habilidade individual em um título coletivo por seu país deve ser um paradoxo incompreensível para sua mente. E é assim a vida também: quanto mais ficamos imersos nos nossos pensamentos mais sombrios, mais nos tornamos vulneráveis à derrota e à sorte alheia. Ele não foi capaz de ver que o que ele procurava estava o tempo todo à sua disposição: técnica, raça e sorte. Só que olhando para baixo, não foi capaz de enxergar o óbvio.

Embora seja um jogador argentino, no fundo, por baixo de uma alegria singular com o vexame hermano, sinto um pouco de empatia por Messi. Não digo pena, porque pena é o pior sentimento que podemos ter por alguém. Sentir pena significa a mesma coisa que sentir que a pessoa não merece que sintamos mais nada por ela. Enfim, falarei disso em outro momento, voltemos ao Messi. Olho para Messi em campo e vejo o ser humano viver alguns dos mais diversos paradoxos de nosso tempo. Como o melhor não consegue o melhor título? Como o melhor do seu grupo não consegue representar o seu grupo da melhor maneira? Isso não é pouca coisa para um ser humano. Se fosse a primeira Copa tudo bem, mas ele passa por isso há mais de uma década e já saiu derrotado de formas traumáticas em outros mundiais, que foram tão frustrantes quanto o atual.

Como consolo para imagem de Messi, sobrou a eliminação de seu maior rival, Cristiano Ronaldo. Digo consolo para imagem, porque me parece que essa frustração não tem qualquer consolo na alma do craque argentino. Cristiano Ronaldo não conseguiu vencer nossos raçudos vizinhos. Qualquer um que acompanha minimamente a Libertadores sabe que a catimba e a retranca uruguaias eram previsíveis. E é aí que se separam os meninos dos homens. Cavani, que foi colocado na posição de mero coadjuvante no PSG, se viu diante da oportunidade de ouro de vencer e se tornar herói de sua seleção. Teve duas boas chances e consolidou a classificação. Depois que conseguiram a vantagem, os jogadores de Portugal foram colocados no bolso pelos compatriotas do saudoso Mario Benedetti e por uma estratégia simples: 8 jogadores de linha atrás do meio-campo e dois jogadores prontos para correr desesperadamente e dar um jeito de enrolar o jogo. Teve um jogador uruguaio que, no primeiro tempo, teve a capacidade de pedir para que a bola fosse trocada antes da cobrança de um lateral. Tenho certeza absoluta de que a bola estava normal, mas essa enrolação é tão pilantra e atípica que os descobridores destas terras tupiniquins não conseguiram achar uma reação para resolver essa picaretagem. Como insisto em dizer: são meninos, não são homens.

Cristiano Ronaldo é um craque, sem dúvidas, mas ainda não mostrou merecer a Copa. Ele deixou uma barbicha esquisita de bode crescer para dar uma resposta midiática à sua rivalidade com Messi. Não sabe por que ele fez isso? Vá procurar no Google e entenda! Ele, assim como o Messi e os argentinos, não estava pronto para vencer uma Copa. Eles são meninos que são facilmente dominados e subjugados por seus rivais, pensamentos e crenças se estes forem capazes de jogar em cima de suas fragilidades.

Neste domingo, Rússia e Croácia deixaram uma pergunta a ser respondida: será? Será que podem ser uma zebra histórica e levantar o troféu mais cobiçado do planeta Bola? Eu acho que não, mas estamos falando de futebol. Em futebol tudo é possível se tivermos uma postura madura e uma combinação sólida entre tática e técnica. A Rússia segurou o empate, pois sabia de sua capacidade de decidir nos pênaltis e é como eu me canso de repetir aqui: goleiro metido a galã não é vitorioso. Vejam o goleiro da Espanha. Badalado, arrumado e vaidoso. Pegou quantos pênaltis? Nenhum! O goleiro russo, muito mais humilde nesses aspectos, apesar de um comentarista ter dito que ele é conhecido por falar “treinar pra quê, se eu sei o que fazer?” (sim, o futebol de verdade ainda respira por aparelhos graças a posturas desse nível de sabedoria), pegou dois pênaltis com propriedade para fazer a festa na sua terra, que tem tudo para bater o recorde de consumo de vodca neste fim de semana. Recorde com a meta em aberto, pois outro triunfo pode dobrar a meta. A Croácia jogou sabendo que ia passar de qualquer jeito. Nem se importou com um ou outro perrengue. Uma verdadeira comodidade de dar inveja a muito burocrata por aí. Os jogadores bateram os pênaltis de qualquer jeito. Jogo feio, era melhor assistir ao filme do Pelé.

E o Brasil? O Brasil só Deus sabe no que pode dar. Dizem que Deus é brasileiro, e aí está o problema. O brasileiro, quando não vê a sua seleção jogando o futebol genuinamente nacional, torce contra. Nesse ponto, é perigoso saber para onde Deus destinará os seus milagres. Lágrimas falsas e exibicionismo, definitivamente, não são bem vistos pelos seus valores. E ainda é o México. Ninguém sabe como jogará a seleção mexicana, nem eles mesmos sabem o que vão fazer. O técnico Osório é um estrategista poderoso e irregular, pois monta esquemas táticos com virtudes e defeitos entrelaçados em si. O esquema mexicano é de uma estética similar à de Gregório de Matos: cheio de contrastes e um rebuscamento incompreensível ao apreciador moderno. Acho que passamos passando raiva, mas passamos. Pelo menos será mais um dia em que beber antes de meio-dia não será considerado alcoolismo.
(crônica escrita por Fernando Fidelix Nunes)