A Diferença Entre os Meninos e os Homens
Tenho
tirado muitas reflexões com a análise desta Copa do Mundo. Infelizmente, a
necessidade de publicar os textos, que são absolutamente perecíveis se
comparados a um ensaio, me faz correr com a escrita e não terminá-la como
gostaria. Mas crônica que segue.
A Argentina
não sabe perder nem aprender com a derrota. Isso soa estranho para uma seleção
que perdeu e sofreu todo tipo de vexame nos últimos 25 anos, mas é a pura
verdade. Apesar de França e Argentina terem conseguido fazer um esplêndido 4x3
para a seleção da terra de Balzac, Victor Hugo e Flaubert contra a seleção da
terra natal de Borges e Sabato, o resultado não demonstrou o jogo. A todo
instante a Argentina estava rendida, isto é, os argentinos já aceitavam a
derrota antes mesmo do fim do jogo. O observador ou a observadora mais
distraídos podem até pensar que, quando nossos rivais fizeram o terceiro gol e
foram correr atrás do milagroso quarto, era um time com raça e tentaria ir até
o fim. Pelo contrário, em vez de deixar o jogo fluir, eles já arrumaram uma
confusão tosca e imbecil, recorrente em competições sul-americanas. Pareceu que
eles fizeram isso inconscientemente para atrapalhar a si mesmos. Eles mesmos
perceberam que não eram dignos do título e, como eu já disse em outra crônica,
os argentinos deixaram o presente de lado e viveram das dores do passado e do
iminente resultado adverso futuro, o que é a certeza absoluta da frustração no
esporte e na vida.
Vale
a pena fazer um exame detalhado de Messi. O craque argentino andava pelo campo
o tempo todo cabisbaixo. O time errava um chute, Messi ficava introspectivo e
cabisbaixo. O time levava um gol, Messi olhava para baixo como se estivesse
procurando algo. E, de fato, ele estava procurando. Ele procurava a si mesmo.
Um homem considerado o melhor do mundo no que faz não ser capaz de transformar
a sua habilidade individual em um título coletivo por seu país deve ser um
paradoxo incompreensível para sua mente. E é assim a vida também: quanto mais
ficamos imersos nos nossos pensamentos mais sombrios, mais nos tornamos
vulneráveis à derrota e à sorte alheia. Ele não foi capaz de ver que o que ele
procurava estava o tempo todo à sua disposição: técnica, raça e sorte. Só que
olhando para baixo, não foi capaz de enxergar o óbvio.
Embora seja um
jogador argentino, no fundo, por baixo de uma alegria singular com o vexame
hermano, sinto um pouco de empatia por Messi. Não digo pena, porque pena é o
pior sentimento que podemos ter por alguém. Sentir pena significa a mesma coisa
que sentir que a pessoa não merece que sintamos mais nada por ela. Enfim,
falarei disso em outro momento, voltemos ao Messi. Olho para Messi em campo e
vejo o ser humano viver alguns dos mais diversos paradoxos de nosso tempo. Como
o melhor não consegue o melhor título? Como o melhor do seu grupo não consegue
representar o seu grupo da melhor maneira? Isso não é pouca coisa para um ser
humano. Se fosse a primeira Copa tudo bem, mas ele passa por isso há mais de
uma década e já saiu derrotado de formas traumáticas em outros mundiais, que
foram tão frustrantes quanto o atual.
Como consolo
para imagem de Messi, sobrou a eliminação de seu maior rival, Cristiano
Ronaldo. Digo consolo para imagem, porque me parece que essa frustração não tem
qualquer consolo na alma do craque argentino. Cristiano Ronaldo não conseguiu
vencer nossos raçudos vizinhos. Qualquer um que acompanha minimamente a
Libertadores sabe que a catimba e a retranca uruguaias eram previsíveis. E é aí
que se separam os meninos dos homens. Cavani, que foi colocado na posição de
mero coadjuvante no PSG, se viu diante da oportunidade de ouro de vencer e se
tornar herói de sua seleção. Teve duas boas chances e consolidou a
classificação. Depois que conseguiram a vantagem, os jogadores de Portugal
foram colocados no bolso pelos compatriotas do saudoso Mario Benedetti e por
uma estratégia simples: 8 jogadores de linha atrás do meio-campo e dois
jogadores prontos para correr desesperadamente e dar um jeito de enrolar o
jogo. Teve um jogador uruguaio que, no primeiro tempo, teve a capacidade de
pedir para que a bola fosse trocada antes da cobrança de um lateral. Tenho
certeza absoluta de que a bola estava normal, mas essa enrolação é tão pilantra
e atípica que os descobridores destas terras tupiniquins não conseguiram achar
uma reação para resolver essa picaretagem. Como insisto em dizer: são meninos,
não são homens.
Cristiano
Ronaldo é um craque, sem dúvidas, mas ainda não mostrou merecer a Copa. Ele
deixou uma barbicha esquisita de bode crescer para dar uma resposta midiática à
sua rivalidade com Messi. Não sabe por que ele fez isso? Vá procurar no Google
e entenda! Ele, assim como o Messi e os argentinos, não estava pronto para
vencer uma Copa. Eles são meninos que são facilmente dominados e subjugados por
seus rivais, pensamentos e crenças se estes forem capazes de jogar em cima de
suas fragilidades.
Neste domingo,
Rússia e Croácia deixaram uma pergunta a ser respondida: será? Será que podem
ser uma zebra histórica e levantar o troféu mais cobiçado do planeta Bola? Eu
acho que não, mas estamos falando de futebol. Em futebol tudo é possível se
tivermos uma postura madura e uma combinação sólida entre tática e técnica. A
Rússia segurou o empate, pois sabia de sua capacidade de decidir nos pênaltis e
é como eu me canso de repetir aqui: goleiro metido a galã não é vitorioso.
Vejam o goleiro da Espanha. Badalado, arrumado e vaidoso. Pegou quantos
pênaltis? Nenhum! O goleiro russo, muito mais humilde nesses aspectos, apesar
de um comentarista ter dito que ele é conhecido por falar “treinar pra quê, se
eu sei o que fazer?” (sim, o futebol de verdade ainda respira por aparelhos
graças a posturas desse nível de sabedoria), pegou dois pênaltis com
propriedade para fazer a festa na sua terra, que tem tudo para bater o recorde
de consumo de vodca neste fim de semana. Recorde com a meta em aberto, pois outro
triunfo pode dobrar a meta. A Croácia jogou sabendo que ia passar de qualquer
jeito. Nem se importou com um ou outro perrengue. Uma verdadeira comodidade de
dar inveja a muito burocrata por aí. Os jogadores bateram os pênaltis de
qualquer jeito. Jogo feio, era melhor assistir ao filme do Pelé.
E o Brasil? O
Brasil só Deus sabe no que pode dar. Dizem que Deus é brasileiro, e aí está o
problema. O brasileiro, quando não vê a sua seleção jogando o futebol genuinamente
nacional, torce contra. Nesse ponto, é perigoso saber para onde Deus destinará
os seus milagres. Lágrimas falsas e exibicionismo, definitivamente, não são bem
vistos pelos seus valores. E ainda é o México. Ninguém sabe como jogará a seleção
mexicana, nem eles mesmos sabem o que vão fazer. O técnico Osório é um
estrategista poderoso e irregular, pois monta esquemas táticos com virtudes e
defeitos entrelaçados em si. O esquema mexicano é de uma estética similar à de
Gregório de Matos: cheio de contrastes e um rebuscamento incompreensível ao
apreciador moderno. Acho que passamos passando raiva, mas passamos. Pelo menos
será mais um dia em que beber antes de meio-dia não será considerado
alcoolismo.
(crônica escrita por Fernando
Fidelix Nunes)
Bravo! Porém quando citou a Rússia vc esqueceu Tolstoi e Dostoiévsk.
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