sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Diário: 5 de outubro de 2011

(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira exclusivamente para este blog)

5 de outubro de 2011.

Hoje aconteceu uma coisa bem curiosa comigo. Eu me olhei no espelho e vi uma Márcia desfigurada. Foi questão de milésimos de segundos, mas eu me vi deformada. Meu rosto estava derretendo, mas meus olhos estavam no lugar. Percebi meu cabelo arrepiado e totalmente branco. É como se eu tivesse visto a cara da morte na minha frente me chamando para o inferno. O banheiro também estava diferente. Em vez da cor branca, estava totalmente escuro. Quando pisquei o olho, tudo voltou para o normal. Foi muito esquisito.

Dia 17 é aniversário do Henrique. A gente ainda está vendo se vai lá na casa da dona Aurora, minha amada sogra. Com o tempo a gente perde a vontade de comemorar o tempo que passa. O tempo passa a ser um problema e não uma dádiva. Eu lembro que quando eu fiz 20 anos eu fiquei muito orgulhosa de mim. Eu me olhava no espelho e gostava de mim de verdade. Hoje eu me olho do espelho e vejo alucinação. Como as coisas mudam!

A Giovana começou a ficar à toa de novo. Ela disse que ia pegar forte nos estudos e tal. No começo até estava assim, mas agora fica até tarde conversando e até batendo boca com o namorado argentino dela e fica acordando dez e meia. Tem dia em que ela nem toma café da manhã. Se a gente soubesse o caminho que nossos filhos vão seguir na vida, a gente mudaria tudo que fizemos no passado. Pais e mães não têm bola de cristal para compreender como as coisas vão terminar. Isso é uma verdadeira lástima.

Esses dias eu me fiz uma pergunta: por que Deus fez o mundo tão imperfeito? Isso não tem realmente resposta. As pessoas simplesmente vivem as suas vidas e não se preocupam com as imperfeições do mundo. Elas passam a vida sofrendo com elas e não mudam a realidade que as cerca. Isso é tão doloroso de se pensar.

O Daniel parece que arrumou uma namorada que colocou limite nele ou o fez criar os seus próprios limites. Relacionamentos são assim mesmo, nos dão os limites. Só que eles podem ser certos e errados, dependendo do que nós somos e queremos.

(Esta é uma obra de ficção criada por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Diário: 29 de setembro de 2011


(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira exclusivamente para este blog)

29 de setembro de 2011.

A Giovana finalmente começou a pegar em apostila para estudar. Ela disse que vai estudar para o concurso do TSE para tentar um cargo igual ao do pai dela. Antigamente era fácil conseguir as coisas aqui em Brasília. Se você fosse amigo das pessoas certas então nem se fala. Hoje está bem mais difícil da pessoa conseguir qualquer coisa. Tem que ralar muito e ser bem inteligente, duas coisas que não combinam com a minha filha.

Agora difícil mesmo é aguentar a Dilma. Esses dias ela discursou na ONU. Fizeram a maior propaganda por ela ter sido a primeira mulher a abrir uma Assembleia Geral da ONU. Ficou tentando falar umas coisas difíceis de entender sobre Palestina e Israel. Ela já fala de um jeito confuso e vai falar de um assunto que todo mundo vê no jornal e não entende. Ela se encheu de si porque foi a primeira mulher a abrir. Ela só se esqueceu de falar que ela chegou lá pelo dedo de um homem mais do que pela própria força. É triste ver isso: a pessoa se cresce toda na hora de se mostrar, mas no fim só está lá pelo dedo do homem. Nem assim a gente consegue ser totalmente independente. É uma independência dependente demais. É como se dissesse sem dizer: “mulheres, conseguimos a nossa representatividade e nossa força pelo poder de um homem”. Nesse país as coisas são incompreensíveis para qualquer um. Por isso, dizem que o país não é sério mesmo.

Este mês eu escrevi muito pouco. Tomara que eu escreva mais depois. Esse mundo anda me tirando toda a vontade. Às vezes eu confesso que eu penso em me matar e acabar com isso, mas também vejo que não ganho nada me matando. Vou fazer o que? Os outros sentirem-se culpados? Culpa não serve para nada na vida das pessoas. A culpa é igual a uma nota de 100.000 reais: parece ter um valor muito alto, mas no fim não vale nada por não existir.

O Daniel pelo menos teve uma semana de sossego. Não consigo imaginar o que aconteceu para ele ficar quieto um tempo.


(Esta é uma obra de ficção escrita por Fernando Fidelix Nunes para este blog)

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Dicas para escrever uma boa proposta de intervenção na redação do Enem

Olá a todos!

Vou discutir um assunto fundamental para aqueles que vão fazer o Enem: a proposta de intervenção. Ela consiste na proposição de uma ação que ajude a resolver ou, ao menos, a atenuar substancialmente um determinado problema. Geralmente é feita no final da redação como uma conclusão do que foi discutido no texto. É obrigatório que seja apresentada no final do texto? Não, mas costuma ser um excelente fecho para os argumentos desenvolvidos anteriormente. Todavia, a estruturação do texto dissertativo-argumentativo será tema de uma futura postagem.

Há três princípios que devem nortear a elaboração de uma boa proposta de intervenção: ela precisa ser verossímil, isto é, precisa ser aplicável à realidade; deve estar ligada a aspectos centrais do problema discutido; e, de um modo geral, aborda ações futuras capazes de desencadear uma mudança no atual quadro do problema.

Você pode estar se perguntando, “mas, professor, o que devo discutir na proposta?”. Eu sugiro dois eixos que podem ser bastante eficazes: a mudança de comportamento da sociedade e as ações do poder público.

No que diz respeito ao comportamento da sociedade, é fundamental que você aborde uma mudança de postura/atitude de alguns sujeitos sociais típicos em relação ao problema, como: motoristas, professores, pais, alunos, policiais, empresários, administradores, médicos, cientistas, advogados, estrangeiros, jovens, idosos, homens e mulheres. 

Na proposta acerca da Lei Seca, você poderia propor, por exemplo, que os donos de bares, boates e companhias de táxi devem agir de forma integrada para resolver o problema. Eles poderiam dar descontos de 20% nos seus serviços e produtos para aqueles que não consumirem nenhuma bebida alcoólica e se comprometerem a assumir o papel de motorista da vez. Ademais, os bares poderiam firmar convênios com empresas de táxi para que elas ajudem as pessoas a voltarem para casa em segurança. Esses convênios devem oferecer descontos de 10 % nos finais de semana para os clientes que frequentam o bar de forma recorrente. Dessa forma, garantem-se o consumo responsável da população e a prosperidade econômica do mercado ligado às bebidas alcoólicas.

No que diz respeito à ação do poder público, o candidato possui um leque mais amplo de possibilidades para intervir em problemas sociais, como: a criação de leis, o aperfeiçoamento da legislação vigente sobre o assunto, o aumento de investimentos na prevenção ao uso do álcool, o aperfeiçoamento de infraestrutura, a contratação de mais profissionais responsáveis por punir os infratores, a fiscalização mais rígida do cumprimento das leis, a criação de campanhas de conscientização. Ainda sobre o tema da Lei Seca, o candidato poderia defender a criação de campanhas publicitárias em que alguns ícones vinculados à propaganda de bebidas condenem que motoristas combinem álcool e direção, o que fortaleceria ainda mais o discurso a favor da Lei Seca. Ademais, é interessante mencionar a fonte dos recursos para o financiamento da campanha, que poderia ser oriundo do dinheiro das multas de trânsito.

“Fernando, só posso apresentar uma ação na minha proposta de intervenção?”. Ora, nobre estudante, é claro que você pode apresentar mais sugestões. Inclusive, é bastante interessante que você produza um conjunto de propostas que juntas consigam resolver substancialmente o problema. Dessa forma, você pode combinar a mudança de comportamento da sociedade com ações do poder público, estratégia que pode fortalecer ainda mais a sua argumentação.

É fundamental lembrá-los de que a proposta de intervenção é uma competência avaliada pelos corretores do Enem. Portanto, aproveitem as ideias discutidas nesta postagem para redigir com bastante esmero a sua proposta de intervenção para o tema de uma redação do Enem.


Para você entender melhor como se produz uma proposta de intervenção, sugiro a leitura do seguinte artigo de opinião: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/17/opinion/1534460373_936822.html. Nesse texto, são apresentadas diversas propostas de intervenção para combater a violência no Rio de Janeiro, o que pode aclarar consideravelmente o seu entendimento sobre como se podem expressar mudanças sociais consistentes em cerca de 6 linhas.

Caso tenham quaisquer dúvidas, deixem um comentário.


Um abraço a todos!

(Esse texto, feito por Fernando Fidelix Nunes, foi publicado originalmente no blog Nova Proposta de Redação)

Diário: 19 de setembro de 2011

(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira exclusivamente para este blog.)

19 de setembro de 2011.

Lembrei hoje do tapa que eu levei na cara. Doeu, pensei que ia ficar bem com o tempo, mas eu não fui capaz de estancar a sangria da dor. Nossa, escrevi difícil agora. Acho que a leitura do Fernando Pessoa anda fazendo algum efeito em mim.

Hoje peguei o Fernando Pessoa de novo. Estranho escrever desse jeito, mas vou deixar assim mesmo. Ninguém vai me julgar mesmo. No trecho 453, o Fernando Pessoa diz que “tudo é vão, como mexer em cinzas”. Incrível como ele sempre está certo sobre a vida que a gente leva. Sempre estamos mexendo nas cinzas do que foi o fogo do nosso coração. Queremos fazer o fogo queimar, como um tanque de gasolina depois de ter contato com uma faísca. Mas não adianta. Já se queimou tudo, já falta lenha para queimar e o fogo da vida ainda sobrevive, mas com pouca força. Como eu reclamo da vida! Também, não tenho pra quem falar.

Esses dias eu fiquei sozinha em casa de novo. A Giovana foi no salão com uma amiga e depois disse que ia sair numa festa. Fiz companhia para mim mesma. Mentira, tinha a televisão comigo. Parei no show da Amy Winehouse. Fiquei impressionada como ela bebia no intervalo de cada música e até durante a música. A pessoa quando é assim deve sofrer muito. Não só ela, acho que todas as pessoas próximas sentem em ver uma menina que viu crescer nesse estado. E ela não era um mulherão. Normalmente, essas cantoras exalam sensualidade. Não tinha um corpo parecido com o da Ivete Sangalo, mas cantava mais. Pena que a forma costuma ser mais importante que o conteúdo hoje em dia. Hoje em dia não. Faz tempo que é assim.

O show vinha com as legendas. Ela realmente sabia o que era sofrimento. Ela tinha uma música com um título muito grande que é algo como “As lágrimas secam sozinhas”. Do jeito que os tradutores são, vai saber se é assim mesmo. Eu não prestei atenção em toda a letra. Só fiquei pensando nessa frase: “as lágrimas secam sozinhas”. Faz sentido pra mim. Quando eu estou só e triste em casa, eu não tenho quem seque as minhas lágrimas. Acho que, quando amamos de verdade alguém, nós fazemos de tudo por essa pessoa. A gente pensa no bem dela, no cheiro dela, no sorriso dela, em como fazer a rotina ser melhor, em passar o dia inteiro com essa pessoa. Tem hora que a gente sabe que acabou, mas continua. Por quê? Escrevi esse porque andei lendo sobre o uso de “porque” no português. Em final de frase sempre tem acento. Pelo menos eu aprendi isso, porque aprender a mudar as coisas não é muito meu forte.

(Esta é uma obra de ficção criada por Fernando Fidelix Nunes)

domingo, 12 de agosto de 2018

Onde andam os pais?

(Ilustração feita por Enthony Vieira exclusivamente para este blog)


Onde andam os pais?

Onde andam os pais que conhecem seus filhos
Tão bem quanto o homem conhece Marte?
Não se encontram em nenhuma parte
Os foragidos do compromisso da vida.
Estão sempre indiferentes
Na saúde ou na doença,
Na alegria ou na tristeza,
Tanto na Terra como no Céu.

Onde andam os pais que conhecem seus filhos
Tão bem quanto o homem conhece a origem da vida?
Nunca estendem aos seus a mão.
Não deixam um átomo de atenção.
Não têm um só dia de insônia.
Não gastam um tostão sequer
Para saber o que aconteceu
Com aquele bebê “qualquer”.

Onde andam os pais que conhecem seus filhos
Tão bem quanto o homem conhece o sentido da vida?
São perguntas sem respostas;
São pessoas indispostas;
São aqueles que dão as costas
Às verdades postas.

(Poema de Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Diário: 11 de setembro de 2011

(Ilustração feita pelo talentoso Enthony Vieira exclusivamente para este blog)


11 de setembro de 2011

A Giovana foi dispensada do colégio dela. Ela ficou triste e feliz ao mesmo tempo. Ela queria a vaga, mas tava meio incomodada com os alunos dela. Acho que ela não queria mais dar aula não. Ela vai pegar o dinheiro que ela ganha do governo e guardar. Guardar ainda mais né? Ela não gasta com nada. Não paga nenhuma conta e não tem compromisso com nada. Tudo ela come aqui. Ela nem sai muito por aí. Assim é fácil. O negócio dela ultimamente é só ficar em casa. Igual a mim, mas sem fazer o que não lhe apeteça. A vida é assim mesmo.

O Daniel voltou todo acabado do seu aniversário. Parece até que o bonde dele passou por cima dele. Tem um tal de Ryan que não vale nada. Tem um jeito de falar de malandro que me deu até nojo. Quero é distância de gente assim da minha vida. Nem num jantar com gente que ele nem conhece ele sabe se comportar. É uma vergonha total. Imagino como deve ser a família dele. Na verdade não quero nem imaginar. Não estou interessada em perder tempo com isso hoje não.

O Vídeo Show era melhor na época do Falabella. Agora o povo fica falando bobagem. Diminuíram até o falha nossa, que era a melhor parte do programa. É como se os atores estivessem errando menos. Eles acham que o público é bobo. Se bem que a maioria das pessoas, no fundo, até gosta de ser feito de bobo. A gente fica se enganando e ruminando os nossos problemas e deixando toda a força negativa tomar conta da gente. Às vezes um ipê floresce em nosso coração, mas é exceção. A maior parte do tempo a vida é seca nesta capital.

Anda fazendo um calor horrível. Dizem que vai voltar a chover no sábado, mas vamos ver como vai ser. Previsão do tempo costuma errar igual à previsão que as pessoas fazem de um casamento. A maioria das pessoas diz “vai dar certo”, “as coisas melhoram com os filhos”, “é só uma briga, logo vocês se entendem” e assim por diante.

Falaram muito nesta semana de terrorismo por conta dos dez anos do atentado nos Estados Unidos. Mataram o chefe, mas isso trouxe alguém de volta? Não. Se vingar do passado não traz o tempo de volta. Isso é verdade que ninguém gosta de ver. Não dá nem ânimo de ficar comentando. Tem gente que diz que isso mudou a história. A história sempre foi isso: guerra, morte, terror, vingança, ódio e lamentação. Não vejo nenhuma novidade. É que nem o Cazuza dizia: “eu vejo um museu de grandes novidades”. Uma coisa que mudou foi a arte daqui. Não se faz nada que preste há um bom tempo. Isso podia se repetir mais umas vezes.


(Esta obra é uma ficção escrita por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

O Cara Voltou


O CaraVoltou!

                O grande responsável por duas eliminações traumáticas do Corinthians na Libertadores, o bicampeão do principal torneio das Américas, o senhor da Copa do Brasil, o homem que sempre disputou sete jogos na Copa do Mundo (mas não falemos muito do 7), o entrevistado mais polêmico das coletivas após os jogos, o ser que recorrentemente manda os gandulas jogarem bolas em campo para amarrar o jogo decisivo, o maior motivador dos jogadores desacreditados e, definitivamente, o técnico que mais provoca a torcida adversária. Sim, Felipão está de volta ao Palmeiras, a sua verdadeira casa.
                A volta de Felipão ao Palmeiras é símbolo da tese que eu defendo de forma veemente: no Brasil tudo muda para não mudar nada! Em 2010, depois de uma Copa do Mundo e após uma série de demissões de treinadores nos anos anteriores, a diretoria procurou quem para comandar a nossa Academia de Futebol? Sim, Felipão! Inacreditável como as coisas se repetem neste país. Não é à toa que Cazuza dizia que via por aqui um museu de grandes novidades.
                Quando vi o anúncio, eu, assim como vários outros torcedores, passei a vislumbrar um futuro cheio de glórias. Já consegui projetar algo assim: Palmeiras campeão mundial depois de uma histórica vitória com um gol do desconhecido atacante Papagaio, que seria o símbolo da raça de um time que venceria o jogo com um a menos devido à expulsão de Felipe Melo, ocorrida após uma entrada desleal no craque do time adversário. A hegemonia europeia no final do ano está com os dias contados! E é óbvio que essa estrada de glórias será asfaltada com muita bola parada e momentos em que a ética desportiva será mais flexível do que muitas pessoas que praticam ginástica em nível olímpico.
                O torcedor nostálgico lembrar-se-á das incontáveis vezes em que vimos jogadores absolutamente anônimos conseguirem, sob o comando de Felipão, um lugar ao sol em momentos decisivos com a camisa alviverde, pena que foi só em momentos esporádicos. Sempre perguntávamos: de onde veio esse cara? Podemos simplesmente nos lembrar de Betinho, herói do título da Copa do Brasil de 2012, ou de Fernandão, trombador responsável por um gol de uma categoria inigualável contra nossos rivais alvinegros. Nessa época, o nosso herói sofreu muito. Teve que aguentar o Dinei que não era o Dinei; o Tinga que não era o Tinga; o Cicinho que não era o Cicinho; o Rivaldo que não era o Rivaldo; e assim por diante. Confessou diversas vezes o seu sentimento de frustração com as pessoas. Disse que a tristeza com o time era semelhante à de acordar com uma mulher feia ao seu lado. Falou que não aguentava mais comer arroz e feijão só e que queria carne e camarão. Além de, obviamente, fazer incontáveis críticas à arbitragem, mesmo quando não tinha muita razão em reclamar.
                Há jornalistas afirmando que ele está desatualizado. Falam em compactação e tal. Eles acompanham futebol há décadas e não entenderam que esquemas táticos são meros detalhes no futebol. O fator psicológico coloca o tático no chinelo. Eles acreditam, por exemplo, que o Messi não jogou nada na Copa por conta de tática? Que Cristiano Ronaldo foi efetivo em um jogo por conta da disposição tática? É vergonhoso esse modo de pensar. Falando nisso... o que eles costumam fazer para se atualizar? Eu nunca vi nenhum deles citando um livro ou nada do tipo sobre a crônica esportiva. Ninguém também escreve muito sobre isso, deve ser por falta de público. Ando em livrarias e nunca vi uma obra do tipo “Manual do Comentarista Esportivo”, “Novas Perspectivas em Comentários Futebolísticos”, “A Crônica Esportiva e a Filosofia” ou mesmo “77 estratégias para se comentar um jogo sem saber nada de futebol”. Também não vejo eles falando em tempo de estudos. A vida é assim mesmo: muitas pessoas cobram das outras aquilo que falta nelas mesmas. Falando nisso, já me relacionei com uma senhorita assim: quando via em mim algo que não gostava em si mesma, era pura crítica e aversão a mim. Entretanto, deixarei essa história para outra crônica.
                Voltando ao futebol! Felipão tem um currículo singular e não precisa provar nada para ninguém. Um homem que ganha uma Copa do Brasil com o Criciúma em 1991 e outra com o time do Palmeiras de 2012 está acima do bem e do mal. Tem grandes frustrações, principalmente com a Seleção Brasileira. O pessoal fala o tempo todo do 7x1, mas se esquecem de que em 2001 o Brasil foi eliminado da Copa América pelo sempre discreto time de Honduras. E eu respondo a isso tudo: sim, e daí? Se você não tem fracassos vergonhosos na sua vida, você não é deste mundo. As pessoas só tem a vida perfeita nas redes sociais. Em muitos casos, nem no mundo espiritual a vida é tão coerente e perfeita. Na vida real, nós temos imperfeições inconfessas e seguimos éticas flexíveis de acordo com nossos interesses. Só apontar isso nos outros e não enxergar em si é um defeito temeroso, mas que costuma passar despercebido pelos egos pós-modernos.
Na reapresentação, o presidente declarou: Felipão tem grande identificação com o Palmeiras. Nunca vi um presidente falar uma verdade tão clara e objetiva. Na coletiva de hoje, Felipão disse tudo que a massa queria ouvir. Disse que passará para os atletas toda a disposição para começar a querer ganhar as finais. Sobre prioridade, falou o que a massa sempre quis ouvir: “vamos priorizar todas as competições”. Essa frase deveria entrar num manual de retórica para técnicos. Sabemos que é pura mentira. Claro que não chega ao nível das referências históricas do Bolsonaro, mas é mentira. Tenho certeza de que, se estivermos na final da Libertadores, quem joga é o sub-17. Nem o massagista vai para o jogo. Confirmou na prática a vontade de ganhar tudo. Realmente, foi isso que faltou no Paulistão e nos jogos seguintes. Para criticar a imprensa e Tite, seu desafeto, disse suavemente “não sou o técnico que perdeu o último Mundial”. Tite parou no quinto jogo, Felipão sempre jogou os 7.
Ontem contra o Bahia, era visível o dedo de Felipão na postura da equipe. Tivemos até um jogador expulso por cotovelada desleal. Isso é dedo do auxiliar, Paulo Turra. Esse cidadão compôs um dos mais perversos miolos de defesa da história do futebol brasileiro: Galeano, Argel e Paulo Turra. As canelas de atacantes de todo Brasil sofreram com esse verdadeiro Trio Ternura. Ninguém mais representante desse estilo que o Paulo Turra.
Felipão disse que acompanhava os times brasileiros, mas até se atrapalhou em falar de outros além de Palmeiras e Grêmio. Se bem que um homem capaz de dizer que acompanhava da China – lembrem-se do fuso horário – os jogos da quarta divisão do Campeonato Brasileiro merece concorrer ao prêmio de símbolo de amor à pátria. Essa declaração é quase uma “Canção do Exílio” do Século XXI. Tenho certeza de que ele olhava o time nos últimos anos e dizia a si mesmo: “eu nesse banco de reservas fazia esse time ganhar tudo”. Ele pode negar, mas quem é palmeirense sabe que ele pensava isso.
Agora é só esperar para ver a história sendo feita no Verdão!   

Diário: 4 de setembro de 2011

(Ilustração feita por Enthony Vieira exclusivamente para este blog)

4 de setembro de 2011.

No feriado de quinta vai ser o aniversário do Daniel. Ele está pensando em chamar os amigos dele aqui por volta das oito da noite. Ele gosta de se gabar e dizer que o dia em que ele nasceu é tão importante que é dia de feriado. Dona Aurora queria até que ele comemorasse na casa dela, mas ele vai sair com o bonde dele para a Chapada e curtir o feriado prolongado. Acho que ele não vai nem saber o que está fazendo.

Sexta, depois que eu e o Henrique compramos uma calça e uma camisa para o Daniel no Conjunto Nacional, um presente de cada um, nós encontramos na Praça de Alimentação o Anderson e a Lúcia. Brasília é assim mesmo: uma cidade grande em que se esbarra com uma pessoa conhecida a cada esquina (como se Brasília tivesse esquina). A gente só ia pegar uma casquinha, mas, por conta da situação, o Henrique decidiu que era melhor comer comida japonesa. Incrível como a gente faz cada coisa para parecer bem. Eles comentaram que o Renato e o Roger estão se dando melhor depois do suicídio do Reginaldo, pai deles. O que a gente tinha mais em comum era a frustração dos nossos filhos. O André, filho deles, não vai fazendo nada de decente da vida. Diz que anda procurando algum negócio para empreender, mas no fundo eles sabem que ele não quer nada. Já tentaram psicólogo e tudo o mais. Quando a pessoa é acomodada, ninguém muda o caráter dela. Foi um papo de mais ou menos uma hora. Foi bom até sair da rotina assim. Até esqueci que eu tenho que cozinhar a semana inteira em casa. A vida é assim mesmo.

A Giovana está com medo de ser dispensada do colégio dela. Ela disse que vários professores vão tomar posse nesta semana e ela, como temporária, vai ser dispensada. Quem mandou ela não estudar o suficiente né? As coisas são complicadas mesmo. E pra ela conseguir algo na iniciativa privada é impossível agora. O jeito é ela ficar estudando para concurso público. Se bem que esse governo está segurando tudo que é concurso público. O povo votou na Dilma pensando que ia ter um monte de concurso público. É... campanha é uma coisa, o dia depois da posse é outra.

Sinto-me um pouco melhor. Meu coração ficou realmente reconfortado com o imprevisto. Acho que devíamos convidar mais gente aqui pra casa. Se bem que foi meio ruim querer comprar algumas coisas para mim e o Henrique dizer que início de mês é ruim para comprar as coisas.

(Esta é uma ficção criada por Fernando Fidelix Nunes)