sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Diário: 29 de maio de 2011




29 de maio de 2011.

                A Giovana ficou muito feliz com a aula que deu em Planaltina. Agora ela me dizer que inventou de dar um negócio chamado variação linguística não é sério. Português é português e pronto. Por isso que a educação não vai pra frente neste país. Isso devia ser notícia de jornal escandalosa: “professora de português ensina alunos a escrever e falar errado!”. Eu fui pesquisar na Internet e vi até uma reportagem de uns meses atrás falando sobre um livro que ensina o povo de que as pessoas sofrem preconceito linguístico por falar do jeito que quer. Pelo menos nisso a imprensa fez o seu papel de denunciar e mostrar essa safadeza. A minha filha ainda diz que “a língua varia de acordo com a situação”. Se essa juventude aprender a escrever do jeito que quer, vai sofrer muito.
                Ela não gostou muito da nossa conversa, disse que eu estava desatualizada. Respondi que ela deveria rever o que ela ensina para não atrapalhar a vida dos outros. Ficamos num clima muito ruim. A gente não se falou hoje direito por conta dessa confusão, mas vai passar como das outras vezes.
                O Henrique deu uma melhorada no humor. Ele começou a falar de novo com os primos. Semana que vem a gente vai num churrasco na casa do Roger para comemorar o aniversário da filha de 10 anos de idade. Não é todo dia que se comemora uma década a mais de vida. Embora o clima ainda esteja meio ruim por conta da morte do Reginaldo, acho que a família vai conseguir ajeitar as coisas de um jeito bem razoável.
                O Daniel continua no projeto dele de academia. Ele diz que já sente a diferença, mas eu, sinceramente, não percebo nenhuma diferença nele nisso. O problema dele são esses amigos perturbados. Às vezes a gente se deixa levar pelas vontades dos outros e perde o eixo da própria vida. Quando ele chegou hoje umas 7 horas da manhã, senti um cheiro insuportável de bebida e cigarro no meu filho. Ele nunca foi de fumar e agora está fumando cigarro todo dia. Hoje falei disso com o Henrique, mas ele não deu muita atenção e disse que “a hora de fazer bobagem é agora”, porque, afinal, “se não fizer quando jovem vai querer fazer quando não pode”. É impressionante como o ser humano é capaz de justificar as besteiras que faz para continuar a fazê-las.
                Bem... vamos ver se nesta semana eu consigo fazer um negócio diferente.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Diário: 26 de maio de 2011




26 de maio de 2011.

                O enterro de ontem foi o mais triste que eu fui na minha vida. Normalmente, quando uma pessoa morre, as pessoas próximas já esperam que aconteça, seja por doença, idade ou algum desastre comum, como um acidente de carro. Agora a morte do Reginaldo foi pesada demais e inesperada para toda a nossa família. Era possível ver na cara de todos o peso da dor da perda.
Os filhos do Reginaldo mal conseguiam ficar de pé. Ambos estavam de óculos escuros, mas foi possível ver as lágrimas escorrendo pelos rostos deles durante todo o velório. O Renato ficou em pé ao lado do túmulo, enquanto o Roger ficou sentado olhando para o chão. A família estava toda lá, até mesmo o filho do Roger apareceu, mas ficou num canto só. Também a situação dele não é coisa fácil de entender e assusta as pessoas mesmo. Esse William precisa entender que a gente é como a gente nasce, não como o que vem na telha. Se decidir por isso, tem que aguentar o peso da vida sobre os ombros e não adianta reclamar.
                Com exceção do William, todas as pessoas presentes se consolaram e conversaram discretamente sobre a vida do Reginaldo. Claro que ninguém se lembrou do fato dele ter batido na falecida mulher umas 5 vezes ou de ter atropelado uma pessoa e ter fugido. Não, isso ficou de lado. Todos só falavam do Reginaldo sendo prestativo nas festas e ajudando a cuidar das crianças nos eventos. Talvez até tenham se lembrado, mas preferiram o silêncio. Depois da morte costuma ser assim mesmo: as pessoas têm suas qualidades exaltadas e seus erros ignorados.
                Era visível na cara de cada um o sentimento de incômodo com a situação. A fé, nesses momentos, é o único afago para as nossas almas. A crença de que Deus acolhe com amor a todos os seus filhos é a melhor saída. A ideia de que nós possamos cair numa escuridão eterna é angustiante. Nesse caso, em meio às curvas da vida cotidiana, o caminho de Deus é mais seguro.
                Aqui em casa o Henrique preferiu ficar sozinho. Até na hora de dormir preferiu dormir de lado sem olhar para mim. Ele faz isso sempre que está abalado com alguma coisa. Como não adianta puxar conversa, eu resolvi ficar quieta na minha e deixar para falar com ele outra hora.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Diário: 24 de maio de 2011




24 de maio de 2011.

                Lavar o chão de um apartamento de 3 quartos às vezes é um tormento e outras vezes é uma dádiva. Não posso nunca reclamar que falta coisa pra fazer. Mas é tão cansativo fazer isso sempre. Enfim, acho que não estou muito boa pra escrever agora de manhã.

***

                Hoje morreu o Reginaldo, tio do Henrique. A minha sogra ligou pra cá muito triste para dar a notícia. O Agenor, pai do Henrique, sentiu muito a morte do único irmão dele ainda vivo. O Reginaldo se matou envenenado. Que morte terrível! Ele vivia muito triste numa casa no Guará. Era depressão, sem dúvida, mas ninguém imaginava que ele ia ser capaz de fazer consigo mesmo um negócio desses. Ele também estava chateado com a chance de ser levado daqui uns anos para um asilo, pois os filhos dele nem ligavam mais e só pegavam o dinheiro dele. Às vezes o peso da vida é tão grande que mergulhar no vazio da morte parece ser o caminho mais adequado.
Mas isso faz mal para a alma. No outro mundo, nós sofremos muito por essa decisão. Dizem que o sofrimento de um suicida é o pior que tem no outro mundo. Só que num momento como esse, não temos mais o que fazer além de consolar uns aos outros e orar. A morte, além de ser a única certeza da vida, é uma forma de unir a família.
                O enterro será amanhã de tarde. A Giovana e o Daniel falaram com os chefes deles e conseguiram liberação. O Henrique também conversou com a chefe dele e vai conseguir ir. Eu, pelo menos para isso, não preciso da autorização de ninguém para ir.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Diário: 23 de maio de 2011



23 de maio de 2011.

                O Daniel disse que a partir de hoje vai ser um novo homem. Ele tava se achando meio gordo, o que é coisa da cabeça dele, e resolveu fazer dieta e entrar na academia. Ontem ele disse: “esse é o último chocolate que eu como esse ano”. Depois devorou sozinho uma barra. Deu até de acordar cedo hoje, 8 horas já estava de pé para se matricular na academia. Acho que isso é passageiro, mas vamos ver como fica. Acho que também é influência dos amigos que ele arrumou nesses tempos. É o que ele chama de “bonde”. Às vezes deixamos os nossos amigos guiarem nossas escolhas e não fazemos o óbvio necessário para a vida: ser agente completo de nossas decisões.
                A Giovana ficou muito feliz com a aula que deu em Planaltina. Disse que os alunos adoraram e até fizeram algumas perguntas. Queria saber como ela faz pra responder se ela não lê nada. Agora ela está decidida a fazer um resumo da gramática para as aulas dela. Nunca vi minha filha tão animada em preparar uma aula. Ela só costuma ficar no quarto dela navegando pela Internet. Pelo jeito nesta semana vai ser diferente das outras nisso. Agora eu não acho que vá ser uma aula muito boa não. Se bem que esse povo deve estar acostumado com tanta aula ruim, que a minha filha parece uma grande professora para eles.
                Já o Henrique está meio de saco cheio do trabalho. Acho que ele já queria é estar aposentado. Só que com 53 anos ainda falta muito para ele. E eu que não devo me aposentar nunca? Na época de eleição, ele fica reclamando que fica preso o dia inteiro no trabalho. Imagina se ele ficasse como eu fico aqui? A minha vida que é uma prisão de verdade.
                Acho que na minha família cada um pensa só em si mesmo. Ninguém olha para a outra pessoa com carinho de verdade. Olhamos uns para os outros só por olhar, não sabemos o que cada um sente de verdade. Já vi os primos e as tias do Henrique comentando, com um tom de inveja, como a nossa família é unida e bem-sucedida. Mal sabem eles o que se passa aqui dentro da gente. Cada um num canto sem troca de nada de bom. Mas como eu disse, eu me consolo muito com a desgraça dos outros. Depois que eu vi que houve um acidente em que morreu gente no Lago, minha angústia deu uma diminuída. Mas a minha conclusão é a mesma de sempre: eu não criei bem os meus filhos.