sexta-feira, 28 de junho de 2019

Um Empate Vale Mais Que Mil Palavras

(Ilustração feita por Enthony Keven)



Um Empate Vale Mais Que Mil Palavras


O Brasil conseguiu uma vitória singular na última noite pela Copa América. Em tempo me corrijo: empate sem gols seguido por uma vitória chorada nos pênaltis. Apesar do sofrimento, a verdade é que a classificação independe do espetáculo. Desde Pelé queremos o espetáculo em campo. Improvisar, criar, driblar e subverter a lógica do futebol são nossos traços típicos das nossas obras cinematográficas feitas em campo. Se bem que em tempos de seriados, um pouco de drama até o fim da temporada ajuda a cativar qualquer aficionado.

O Paraguai conseguiu segurar o 0x0 com um êxito indiscutível. Eles entraram em campo com esse objetivo acima de qualquer coisa. Parecia um jogo típico de Libertadores em que o adversário faz de tudo para não deixar a bola entrar e deixar o adversário entrar em profundo desespero psicológico. Como nossos “meninos” são criados na Liga dos Campeões da Europa (não há motivo para falar o nome em inglês!), não sabem, com exceção do Atlético de Madrid, o que é um time querer amarrar o jogo como um sequestrador amarra os pulsos da vítima

Esse é o problema e eu o explico melhor para quem não entende. Nossos “garotos” se acostumaram tanto a enfrentar equipes indispostas a abdicar de seus dotes ofensivos que se sentem perdidos diante do adversário, como uma criança que tenta andar de bicicleta pela primeira vez. O único que demonstrou o verdadeiro brasileirismo no futebol foi o Cebolinha. Obviamente, um jovem que teve como conselheiro e doutrinador Renato Gaúcho, conhecido vulgarmente como Renight nas baladas nacionais, não poderia fazer outra coisa. Tenho certeza de que seu mestre lhe disse: “entra, arrebenta e mostra que é abaixo da linha do Equador que se joga futebol de verdade!”. Infelizmente, nem esse talentoso e irreverente craque foi agraciado pelos deuses do futebol com um gol. Um dia explicarei a vocês sobre os deuses do futebol, que de certa forma são a síntese de vários deuses. Por enquanto, ficaremos com o jogo de ontem.

Tentamos de todo o jeito o gol, parecíamos a música do Skank, só que sem a parte do gol. Nem a expulsão com uma falta a um centímetro da entrada da área foi suficiente para fazer o gol. Na verdade, o Brasil, que não faz gol de falta há cinco anos, deveria trocá-la por um lateral para ver se cria alguma coisa mais eficaz. Do jeito que foi o jogo, era provável que os nossos vizinhos conseguissem segurar o empate mesmo com 4 jogadores a menos. Fomos aos pênaltis e muita coisa nos angustiava. Gatito vinha com uma moral monstruosa depois de alguns milagres em campo diante de Alisson. A princípio eu também me angustiei, afinal Alisson sempre agiu como um galã e, conforme eu postulo, qualquer jogador pode se arrumar e ter hábitos de galã de novela, menos o goleiro. O goleiro tem de ser esquisito, perturbado e, preferencialmente, muito feio.

Minha fé começou a mudar quando percebi que o Alisson bebia água de forma escalafobética e sequer tinha acertado o lado em que aconteceriam as cobranças, tendo de vergonhosamente ir até a outra baliza para o início do maior suplício dos craques da bola. Esse momento lhe foi decisivo, sem dúvida. Ademais, encontrava-se bem desarrumado e pouco cuidado, enquanto o seu rival tinha o cabelo intacto após uma partida exaustiva. Nesse momento, foi semeada a nossa vitória.

Após o erro do zagueiro paraguaio na primeira cobrança, todos acertaram, até o erro de um atacante que joga na Europa. Foi aí que bateu o desespero, logo dissipado pelo desperdício da última cobrança dos nossos adversários. No ato final e necessário, o nosso Jesus fez o milagre de acabar com a hegemonia paraguaia nos pênaltis e decretou o maior milagre da noite: Gatito Fernández não pegou nenhuma das cinco cobranças. Sim, a minha teoria sobre goleiros se mostrou mais uma vez hegemônica e irrefutável.

Agora é enfrentar e vencer a Argentina no Mineirão. Sim, só a vitória interessa no jogo da próxima semana. Messi parece obcecado, já que tem o sonho de ser o herói de um título argentino, que não vem há 26 anos. Tomara que esse tabu perdure por muito mais tempo.

(Fernando Fidelix Nunes)

Diário: 17 de junho de 2012

(Ilustração de Enthony Keven)

17 de junho de 2012

Meu aniversário de 53 anos está chegando... e daí? Quando somos crianças cada ano passa devagar e tem um especial sabor do florescimento de uma nova vida. Já na velhice o aniversário é a frustração da perda do sentido de cada dia. Quando eu tinha 12 anos, sonhava em ter 20 anos para ser uma mulher realmente feliz. Hoje, também sonho em ter 20 anos de novo. Fico pensando como a minha vida pode ser diferente. Confesso que esse “lance” de velhice, como diz o Daniel, está martelando na minha cabeça.

Resolvi pegar um livro verde do Drummond que estava na estante da minha filha. É chamado de “Prosa Seleta”. Tem vários livros dele com muita coisa boa. O meu predileto é “O Avesso das Coisas”. Ele faz uma espécie de coletânea de frases bonitas sobre todo tipo de assunto do ser humano. Como nesse tipo de livro o interesse de quem lê está acima de qualquer ordem em que o autor tenha colocado a obra, fui logo para o ponto da velhice. E ele fala muita coisa disso.

As que eu mais gostei foram:

– A velhice tem atitudes infantis, sem o encanto da infância.
– Tentamos consolar os velhos chamando-os de velhinhos.
– A vida é breve, a velhice é longa.
– Suportar o peso da idade é a última prova de juventude.
– Pedir benção dos velhos dá-lhes a ilusão de terem poder de abençoar.

Isso sim é um escritor de verdade! Um dia talvez eu consiga extrair do cotidiano a vida que ele extraiu com tamanha beleza em palavras. Pena que o tempo tem extraído de mim mais do que a beleza juvenil que inundava meus olhos e minha alma.