(Ilustração feita por Enthony Keven)
Um Empate Vale Mais Que Mil Palavras
O
Brasil conseguiu uma vitória singular na última noite pela Copa América. Em tempo
me corrijo: empate sem gols seguido por uma vitória chorada nos pênaltis.
Apesar do sofrimento, a verdade é que a classificação independe do espetáculo.
Desde Pelé queremos o espetáculo em campo. Improvisar, criar, driblar e
subverter a lógica do futebol são nossos traços típicos das nossas obras
cinematográficas feitas em campo. Se bem que em tempos de seriados, um pouco de
drama até o fim da temporada ajuda a cativar qualquer aficionado.
O
Paraguai conseguiu segurar o 0x0 com um êxito indiscutível. Eles entraram em
campo com esse objetivo acima de qualquer coisa. Parecia um jogo típico de
Libertadores em que o adversário faz de tudo para não deixar a bola entrar e deixar
o adversário entrar em profundo desespero psicológico. Como nossos “meninos”
são criados na Liga dos Campeões da Europa (não há motivo para falar o nome em
inglês!), não sabem, com exceção do Atlético de Madrid, o que é um time querer
amarrar o jogo como um sequestrador amarra os pulsos da vítima
Esse é o
problema e eu o explico melhor para quem não entende. Nossos “garotos” se
acostumaram tanto a enfrentar equipes indispostas a abdicar de seus dotes
ofensivos que se sentem perdidos diante do adversário, como uma criança que
tenta andar de bicicleta pela primeira vez. O único que demonstrou o verdadeiro
brasileirismo no futebol foi o Cebolinha. Obviamente, um jovem que teve como
conselheiro e doutrinador Renato Gaúcho, conhecido vulgarmente como Renight nas
baladas nacionais, não poderia fazer outra coisa. Tenho certeza de que seu
mestre lhe disse: “entra, arrebenta e mostra que é abaixo da linha do Equador
que se joga futebol de verdade!”. Infelizmente, nem esse talentoso e
irreverente craque foi agraciado pelos deuses do futebol com um gol. Um dia
explicarei a vocês sobre os deuses do futebol, que de certa forma são a síntese
de vários deuses. Por enquanto, ficaremos com o jogo de ontem.
Tentamos de
todo o jeito o gol, parecíamos a música do Skank, só que sem a parte do gol.
Nem a expulsão com uma falta a um centímetro da entrada da área foi suficiente
para fazer o gol. Na verdade, o Brasil, que não faz gol de falta há cinco anos,
deveria trocá-la por um lateral para ver se cria alguma coisa mais eficaz. Do
jeito que foi o jogo, era provável que os nossos vizinhos conseguissem segurar o
empate mesmo com 4 jogadores a menos. Fomos aos pênaltis e muita coisa nos
angustiava. Gatito vinha com uma moral monstruosa depois de alguns milagres em
campo diante de Alisson. A princípio eu também me angustiei, afinal Alisson
sempre agiu como um galã e, conforme eu postulo, qualquer jogador pode se
arrumar e ter hábitos de galã de novela, menos o goleiro. O goleiro tem de ser
esquisito, perturbado e, preferencialmente, muito feio.
Minha fé
começou a mudar quando percebi que o Alisson bebia água de forma escalafobética
e sequer tinha acertado o lado em que aconteceriam as cobranças, tendo de
vergonhosamente ir até a outra baliza para o início do maior suplício dos
craques da bola. Esse momento lhe foi decisivo, sem dúvida. Ademais,
encontrava-se bem desarrumado e pouco cuidado, enquanto o seu rival tinha o
cabelo intacto após uma partida exaustiva. Nesse momento, foi semeada a nossa
vitória.
Após
o erro do zagueiro paraguaio na primeira cobrança, todos acertaram, até o erro
de um atacante que joga na Europa. Foi aí que bateu o desespero, logo dissipado
pelo desperdício da última cobrança dos nossos adversários. No ato final e
necessário, o nosso Jesus fez o milagre de acabar com a hegemonia paraguaia nos
pênaltis e decretou o maior milagre da noite: Gatito Fernández não pegou
nenhuma das cinco cobranças. Sim, a minha teoria sobre goleiros se mostrou mais
uma vez hegemônica e irrefutável.
Agora
é enfrentar e vencer a Argentina no Mineirão. Sim, só a vitória interessa no
jogo da próxima semana. Messi parece obcecado, já que tem o sonho de ser o
herói de um título argentino, que não vem há 26 anos. Tomara que esse tabu
perdure por muito mais tempo.