quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Diário: 12 de dezembro de 2011.


(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira para este blog)

12 de dezembro de 2011.

Foi um fim de semana bem cheio no Conjunto Nacional. O shopping estava todo decorado para o Natal. Claro que eles não estão preocupados com o espírito de paz e harmonia do nascimento de Jesus Cristo. Eles estão preocupados com o espírito de consumo desenfreado e inconsequente das pessoas nessa época do ano pra ganhar dinheiro. Quase não tinha nada em promoção, infelizmente. Eu até estranhei que o Henrique estava disposto a gastar com as coisas. Estava tão orgulhoso de levar as sacolas de um lado para o outro. Ele até pagou um quase jantar na praça de alimentação muito bom, e olha que não tinha ninguém por perto para ele se exibir. Posso dizer também que neste fim de semana ele foi um bom marido em outras coisas em que ele não era importante há bastante tempo com a qualidade que teve.

Para a Giovana a gente resolveu comprar duas camisas e um tênis de correr, para ver se ela começa a fazer algum exercício, porque anda comendo muita bobagem em casa. O Daniel finalmente vai ganhar um tênis e uma calça nova. O Henrique se deu uma camisa do Grêmio. Mais uma! Não sei nem quantas camisas do Grêmio ele tem aqui em casa mais, acho que umas 10. As mais velhas são as prediletas dele. Segundo ele, eram de tempos de glória. Gastar quase 200 reais numa camisa de time de futebol é uma perda de tempo total, não há quem me convença do contrário disso. E é cheio de gente ganhando dinheiro com essa paixão sem sentido. Tem muita gente que conhece mais da história do time de “coração” do que do próprio filho ou filha. É impressionante como o futebol toca as pessoas, principalmente os homens. Parece que a derrota do time de futebol envergonha mais do que as derrotas deste país.

Agora o que me dá orgulho de verdade é o Daniel com a Rayane! Eles estão cada dia mais lindos juntos. Resolveram se presentear com um celular para cada um, desses bem avançados que tiram fotos e acessam a internet de onde quiserem. Pelo plano em casal, tiveram um desconto. Tão bom vê-los juntos assim.

Agora teve uma coisa que eu percebi agora, enquanto eu escrevo que me deixou realmente melancólica: todo mundo comprou presente para amigo secreto, menos eu. Eles compraram para os colegas de trabalho e amigos pessoais. Já eu não comprei para ninguém, pois eu não tenho emprego. Realmente sou isolada de todo o mundo que me cerca e não tenho com quem me comunicar sobre a vida. É como se eu fosse uma peça na vida das pessoas. Meus filhos nunca me dão nada de Natal também. Um dia eu ainda vou ter coragem para perguntar para eles o que eu significo para eles? Se nem no Natal se lembram de mim, imaginem no restante. A vida é assim mesmo.

(Esta é uma obra de ficção feita por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Diário: 5 de dezembro de 2011

(Ilustração feita por Enthony Kevin exclusivamente para este blog)


5 de dezembro de 2011.

A gente começou esta semana sabendo que o Natal vai ser na casa da Dona Aurora. Isso não é nenhuma novidade. Uma vez tentamos organizar aqui em casa isso, mas não deu muito certo. Anda chovendo tanto aqui, que parece que o céu está derramando as lágrimas do meu coração. Mais um ano sem sentido se passou para mim. Pelo menos eu vi o Daniel melhorando um pouco, mas não vai ser nada demais no fim das contas. Se a Rayane largar o meu filho, eu não sei o que vai ser dele. Eu lembro dele dizer uma palavra bem engraçada pra quando ia fazer bobagem: despirocar. Como pode esse povo falar cada palavra horrorosa dessas. Mas o erro foi meu que não bati o suficiente no meu filho.

Eu vou acabar tendo que ir no Conjunto Nacional com o Henrique para comprar algumas coisas para a família. Andar no Conjunto nessa época é como passar por um museu de grandes novidades, como dizia o Cazuza. A gente consegue perceber na hora de fazer compras como o mundo ao nosso redor é. As pessoas parecem que se moldam na hora de comprar as coisas. É impressionante como tem coisas que não mudam nunca. Disco “novo” do Roberto Carlos e produto da Xuxa para crianças é o que não falta. O Roberto Carlos ainda vai porque ele compôs muita coisa boa, mas a Xuxa não dá para engolir.

Nos meus mais de 50 anos de vida, eu não vi até hoje uma pessoa dizer que a Xuxa canta bem. Como pode o nosso país se pautar pela mediocridade desse jeito. Colocaram a Xuxa e usaram ela de todo jeito para ganhar dinheiro. Música infantil, programa de auditório, filme, seriados infantis e tudo que a gente puder imaginar a Xuxa já fez. A culpa é dela? Claro que não! É do próprio povo, que gosta de enaltecer pessoas sem talento. Às vezes parece que as pessoas vivem critérios pelo avesso: quanto pior a qualidade, maior o valor e o prestígio. O que mais a gente pode esperar de um povo que enaltece isso? Só existe gente idiota e medíocre com prestígio porque existem pessoas tão medíocres quanto elas para gastar dinheiro com isso, principalmente na época de Natal. A nossa “presidenta” é um outro exemplo disso.

Agora vai ser muito bom comprar umas coisinhas para mim. Ando precisando, como dizem na televisão, dar uma repaginada em mim. O Natal é a melhor época para mudarmos por fora quem somos por dentro. Melhor dizendo: é a melhor época para praticarmos o fingimento. Acho que vou até fingir que aceito o William do jeito que ele se autointitula: Alana. O fingimento no Natal é como um pacto da falsidade para tentar mostrar ao mundo que nosso lado mais obscuro pode ser iluminado pelo nascimento de Cristo. Para a maioria das pessoas, Cristo está muito mais nas palavras do que no coração e parece que ultimamente quanto mais as pessoas usam Cristo em suas palavras, mais pilantras elas são. A minha dúvida é: o que Cristo diria de tudo isso? Só Deus sabe!


(Esta é uma obra de ficção criada por Fernando Fidelix Nunes exclusivamente para este blog)

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Diário: 30 de novembro de 2011

(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira para esta obra literária)


30 de novembro de 2011.

Não sei por que inventaram esse Dia do Evangélico. Tudo bem que cada um tenha a sua religião e seja respeitado por isso, mas criar um feriado no Distrito Federal para isso é demais. Até saiu uma reportagem no jornal na hora do almoço em que ninguém sabia direito que feriado era esse. Vai entender esse país. Isso deve ser coisa de político que quer ganhar voto porque o número de crentes só está aumentando cada dia mais.

As pessoas andam virando cada vez mais crentes. Tem até programa na televisão aberta todo dia falando na glória do nosso Senhor Jesus Cristo. Os pastores ficam evocando a imagem de Deus e falando mal dos vícios de cada um. Eles falam muito do vício de bebida. Sempre que eu vejo a televisão tem um indivíduo que foi resgatado do mundo do pecado pelo nosso Senhor Jesus Cristo. Eles contam histórias que são capazes de emocionar muita gente. Não me emociona, mas engana muita gente. Acho que é muito teatro para pouco milagre. E tem muito pastor por aí que me parece mais preocupado em pedir dinheiro do que em salvar as almas perdidas desse mundo. Se até em igreja é difícil encontrar santo, imaginem só na vida do dia a dia.

Talvez seja pelo dia a dia ser tão difícil que as pessoas acabem fugindo para o mundo dos deuses. Só os deuses são capazes de nos dar sentido para o que nós sentimos. Na verdade, ando pensando que nós ficamos sempre procurando sentido por esporte. Talvez por isso que tanta gente gosta de ler. A leitura é uma busca por sentido sem fim na nossa mente. Fernando Pessoa se aproveitou muito disso nos livros que ele escreveu. Pelo menos no Livro do Desassossego é assim mesmo: busca-se sentido para cada fragmento da vida que se revela na nossa insignificante existência.

Falando em hora do almoço, a Giovana e o Henrique discutiram feio. Ela tentou convencer o Henrique a mudar de ideia, mas ele não mudou. Por ele, nada de argentino por aqui. Ele que pague um hotel para ele. A Giovana começou a falar que aquilo não era bem assim e que ela tinha direito a receber o namorado aqui em casa. As coisas ficaram cada vez mais tensas até que o Daniel e eu conseguimos desconversar falando da Rayane, mas eu percebi que a coisa vai ficar muito difícil daqui pra frente.  

Depois de tudo que aconteceu, cheguei à conclusão de que o almoço é a hora sagrada para a briga em família. As pessoas parecem que guardam toda a raiva do dia anterior que não conseguiram diluir no sono e a vomitam na mesa enquanto comem. Não fazem isso na hora do jantar para não atrapalharem o sono para aguentar mais um dia. Estranha esta vida. Muito estranha. Talvez com a Glória do nosso Senhor Jesus Cristo isso mude, mas acho que milagre não dá conta disso.

(Esta é uma obra de ficção criada por Fernando Fidelix Nunes)

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Diário: 21 de novembro de 2011

(Ilustração feita por Enthony Vieira exclusivamente para este blog)


21 de novembro de 2011.

Esses dias passou na televisão que o médico do Michael Jackson foi declarado culpado pela morte do Rei do Pop. Eu não dei muita atenção quando eu vi isso na televisão, nem escrevi sobre ela, mas com uma reportagem na televisão eu passei a pensar mais sobre ele. Michael Jackson foi o tipo de pessoa sobre a qual todo mundo tinha uma opinião. Não é possível ser indiferente ao Michael Jackson nos últimos 40 anos. Ele foi a trilha sonora para a vida de muita gente. Ele dançava muito e cantava tão bem quanto. Agora ficar viciado em anestésico é uma coisa muito louca. A insônia dele era tão forte que precisava de um anestesista profissional para dormir. Para ele, a véspera do sono devia ser uma tortura insuportável.

A pessoa quando tem dinheiro demais costuma fazer o que bem entende da sua própria vida e da vida dos outros. Com o poder que ele tinha, ele fazia qualquer coisa. Desde os videoclipes mais caros e mais bem produzidos até construir para si uma Terra do Nunca. Todo mundo tem traumas, isso é verdade, mas construir para si um rancho pra imitar a vida do Peter Pan é realmente muito estranho. Agora que o pessoal anda falando mais das músicas dele, provavelmente porque dá dinheiro, pararam de falar da sua vida pessoal. Só que nos dez últimos anos de vida ele só foi lembrado pela bizarrice dele. Lembro que vi um documentário em que ele dizia que dormia com as crianças na mesma cama e que era Peter Pan em seu coração.

Tem gente que diz que dinheiro traz felicidade. Considerando o caso do Michael Jackson, acho que isso é mentira. Dava para ver na cara dele o quanto ele era triste. Vazou até um áudio dele dizendo que não conseguia dormir e sofrendo muito. Impressionante como as pessoas vão atrás de dinheiro e não conseguem nada. A Giovana mesmo, ela quer estudar para ganhar dinheiro e ter uma vida estável aqui em Brasília. Agora, ela estável financeiramente não vai estar feliz de jeito nenhum. Ela vai continuar reclamando da vida e não fazendo nada que preste. Do jeito que ela é, é até capaz de largar o emprego aqui só para ir encontrar ou viver com o argentino dela.

O Henrique falou que não arreda o pé de jeito nenhum. A minha filha fica insistindo nisso de trazer o namorado dela pra dentro de casa. Conheço o meu marido, isso não vai acontecer. Os dois já começaram a se estranhar mais dia a dia. Andam se falando menos e discutindo ou se estranhando por qualquer coisa boba. Do sabor de um bolo que ele comprou aqui pra casa até da Giovana deixar a escova na sala. Nessa briga não queria ter que tomar partido por nada nessa vida, mas acho que vou ficar do lado do meu marido. A gente tem que ser coerente na hora de criar os filhos. Por que a Giovana não é que nem o Daniel, que conseguiu uma namorada para arrumar os seus defeitos todos? Isso diminuiria bem as minhas dores de cabeça e as dela também.


(Esta é uma obra de ficção feita por Fernando Fidelix Nunes. Toda sexta-feira você tem um novo episódio deste folhetim.)

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Diário: 17 de novembro de 2011

(Ilustração feita por Enthony Kevin exclusivamente para este blog)


17 de novembro de 2011.


O final de semana chegou e eu me pego escrevendo este diário enquanto todas as pessoas ao meu redor saem para se divertir. Sinto-me profundamente só. O Henrique ligou para avisar que vai sair para tomar uma cerveja com os amigos dele, a Giovana resolveu sair com as amigas dela dos tempos e UnB e o Daniel vai sair com a Rayane e até vai dormir na casa dela. Antes isso de dormir na casa de namorado ou namorada era um verdadeira escândalo, mas hoje todo mundo acha normal. Ando achando que ninguém pensa muito em mim aqui nesta casa. As pessoas parecem que olham para mim e atravessam o olhar sem perceber quem eu sou e que eu tenho necessidades tão normais quanto todo mundo.

Sobrou-me cozinhar para mim mesma, assistir a um pouco de televisão e esperar os outros. Engraçado que a minha vida não faz sentido por si só. Eu dependo dos outros para viver. Sem as pessoas à minha volta, eu não seria capaz de fazer nada. Engraçado que eu não sinto isso com as outras pessoas. Se eu simplesmente deixasse de existir, não haveria problema. No fundo as pessoas iam acabar se virando para fazer as coisas e iam sobreviver a tudo que lhes cerca. Eu não. Para quem eu ia cozinhar? De quem eu ia falar? Com quem eu conversaria esse tempo todo? Aqui em casa, nesse silêncio, enquanto o mundo vibra com a expectativa de um final de semana, eu só espero que o tempo passe e que as pessoas ao meu redor voltem para casa. Só isso que eu quero, mais nada.

Agora o tempo deixou de ser meu amigo. Quando a gente é jovem, o tempo sempre parece que vai nos ajudar. Olhamos o calendário e pensamos que no futuro tudo se resolverá facilmente. O corpo e a alma vão definhando aos poucos. Quando eu tinha 12 anos sonhava em ter 25 para poder viver uma vida melhor e mais plena. Hoje eu não quero nem imaginar como seria a minha vida aos 100 anos. Só de pensar eu fico arrepiada.

E o futuro próximo traz ainda uma reunião de fim de ano. Às vezes eu queria tirar umas férias para deixar isso de lado, mas não se tira férias da família. Minto, não se tira férias da família que mora na mesma cidade. A gente só continua vendo a família da mesma forma nas festas. Natal é sempre aquela falsidade toda. Sem ninguém querendo fazer nada pela outra pessoa de verdade. Tirando as crianças, os adultos esperam só a melhor hora para irem embora. Vamos ver como vai ser, porque hoje a inspiração não está nem um pouco perto de mim. Não sei nem por que fui escrever. Na verdade, sei sim. Para desabafar um pouco.

(Esta é uma obra de ficção escrita por Fernando Fidelix Nunes)