Manifesto da Pena Capital
A
arte não deve ocupar espaços. Seu objetivo é ocupar mentes, corações e,
principalmente, ações. A literatura, num contexto de masturbação ideológica,
deve dar um freio brusco no seu ritmo incessante de satisfação inócua de nossas
representações individuais da realidade e levar-nos a alcançar um horizonte
capaz de trilhar um novo caminho para uma compreensão mais completa da
circunstância em que vivemos coletivamente. Em vez da arte voltada para nossas
vaidades e crenças de grupo, o que coloca cabresto no seu público que se vê
quase obrigado a valorizar e consumir esse tipo de arte, iremos pensar naquilo
que nos une na Babel off-line e virtual por que veiculamos nossos discursos
diariamente.
Nesse sentido,
lutaremos por uma arte essencialmente universal. Em vez de nos fragmentarmos,
vamos nos unir no que há de mais humano: a dor. A dor talvez seja o único
elemento universalmente coesivo para juntar os cacos carcomidos de todos nós.
Ela, em vez de ser a causa de várias doenças, pode se tornar a verdadeira
panaceia se compreendida coletivamente.
Esse
pressuposto talvez seja o mais desafiador de todos até aqui, pois vivemos em
tempos barrocos, isto é, os contrastes se amontoam diante de nossos olhos
viciados em enxergar apenas o que acreditamos estar acontecendo. O tom
satírico, desaforado e egoísta deixou de ser, para muitos, um recurso para
passar a ser um fim em si mesmo da comunicação. Assim, devemos iniciar o
rompimento dessa estilística frívola e ineficiente.
Ainda sobre o
aspecto universal de nossa arte, é importante destacar que ela não será
desvinculada da realidade local. Afinal, na maioria das vezes, quanto mais
regionais e nacionais somos – como Guimarães Rosa e Tolstói – maior é a chance
de sermos universais; pois maior será a nossa busca pela essência humana.
Acharemos em Brasília a essência que constitui a essência humana.
Queremos
uma Brasília que deixe de ser só capital administrativa da República, mas passe
a ser o coração multicultural da nação que anseia por uma nova pulsação
artística que vá além dos lugares-comuns de artistas sem furor. Não precisamos
de artistas-zumbi que são aceitos por educação. São imprescindíveis obras de
arte que ofereçam ao nosso povo uma catarse capaz de fazê-lo preferir uma boa
leitura em vez de, por exemplo, novelas televisivas e seriados. Estes e aquelas
são arte, obviamente, mas nós temos a ambição de superá-los na preferência do
público, pelo menos uma vez por semana.
Explodiremos
os alto-falantes para acabar com o silêncio ensurdecedor da arte perante os
mais diversos absurdos político-culturais. Exploraremos todo o potencial do
vocabulário nesse quesito. As palavras são as maiores manifestantes da nossa
realidade e da nossa vida. Ela, como já é defendido por muitos pesquisadores,
ao mesmo tempo, molda a sociedade e é moldada por ela. Destarte, a palavra será
muito bem cuidada por nós, o que não quer dizer mimada excessivamente por
regras gramaticais.
Precisamos
deixar de ser meros covers programados para imitar a arte alheia disponível na
Internet e nos tornar verdadeiros autores do nosso pensamento. A nossa ambição
vai além de imitar clássicos ou medíocres. Nós podemos nos inspirar em outros
artistas, o que é absolutamente recorrente, mas, se formos imitá-los em algum
tema, será para superá-los.
Que
se dê ênfase às particularidades desta cidade, tudo bem, mas não iremos
transformar isso no assunto maior de nossa produção nem o abordaremos só em sua
parte central. Por que não falarmos dos problemas que se passam nesses lugares?
Para que exaltar a beleza arquitetônica onde há uma profunda dor humana e
problemas sem solidariedade? Por que fazer um jogo de palavras que faz rir os
olhos, se podemos fazer uma composição para transbordar o coração? Será que
lugares além do avião também não podem decolar a imaginação?
Seremos
adeptos do uso virtual da arte como mecanismo de divulgação. Com isso não
queremos tirar dos leitores o prazer proporcionado pelo papel, mas apenas
ampliar o horizonte da arte de forma consistente. Queremos entregar a arte no
dia a dia de todos, isto é, ler um poema ou um conto será tão natural quanto
ver a foto de alguém curtindo uma praia no feriado e (por que não?) publicar um
texto literário será tão comum quanto publicar uma foto descontraída.
O
bom-humor é uma dádiva quando é usado adequadamente, o que não quer dizer o
mesmo que politicamente correto. Só queremos rir e fazer rir sem cometer crimes
dolosos ao patrimônio público, individual, coletivo, cultural, sexual,
econômico, social, virtual, futebolístico, animesíaco, marvelítico,
cinematográfico, público de novo, infantil, idoso, LGBTístico, papelístico,
eurocêntrítico, latinítico, brasileiro, acreano, candango, paulista, mineiro,
carioca, ibísitico e multiculturalítico – palavra que serve para incluir todos
os outros, que não chamaremos de resto para não ofendê-los. Inclusive, queremos
usá-lo como meio de críticas sutis e, aparentemente, desinteressadas.
Vale
ressaltar que não valorizaremos só a arte literária. Tentaremos reunir a fração
da inteligência candanga que quiser se unir a nós nesse processo. Mas não falaremos
aqui dos objetivos del@s, já que isso cabe a eles.
Enfim,
esperamos que gostem deste rascunho do que será a nossa arte.
Assinado
por: Fernando Fidelix Nunes
Obs: O texto era para ser
assinado também pelo Renato, mas quando eu lhe mostrei, tive como resposta que estava
bom e que deveria ser assinado só por mim. Afinal, um artista de caráter não
suporta receber crédito indevido.