quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Manifesto da Pena Capital

Manifesto da Pena Capital

                 A arte não deve ocupar espaços. Seu objetivo é ocupar mentes, corações e, principalmente, ações. A literatura, num contexto de masturbação ideológica, deve dar um freio brusco no seu ritmo incessante de satisfação inócua de nossas representações individuais da realidade e levar-nos a alcançar um horizonte capaz de trilhar um novo caminho para uma compreensão mais completa da circunstância em que vivemos coletivamente. Em vez da arte voltada para nossas vaidades e crenças de grupo, o que coloca cabresto no seu público que se vê quase obrigado a valorizar e consumir esse tipo de arte, iremos pensar naquilo que nos une na Babel off-line e virtual por que veiculamos nossos discursos diariamente.
  Nesse sentido, lutaremos por uma arte essencialmente universal. Em vez de nos fragmentarmos, vamos nos unir no que há de mais humano: a dor. A dor talvez seja o único elemento universalmente coesivo para juntar os cacos carcomidos de todos nós. Ela, em vez de ser a causa de várias doenças, pode se tornar a verdadeira panaceia se compreendida coletivamente.
    Esse pressuposto talvez seja o mais desafiador de todos até aqui, pois vivemos em tempos barrocos, isto é, os contrastes se amontoam diante de nossos olhos viciados em enxergar apenas o que acreditamos estar acontecendo. O tom satírico, desaforado e egoísta deixou de ser, para muitos, um recurso para passar a ser um fim em si mesmo da comunicação. Assim, devemos iniciar o rompimento dessa estilística frívola e ineficiente.
   Ainda sobre o aspecto universal de nossa arte, é importante destacar que ela não será desvinculada da realidade local. Afinal, na maioria das vezes, quanto mais regionais e nacionais somos – como Guimarães Rosa e Tolstói – maior é a chance de sermos universais; pois maior será a nossa busca pela essência humana. Acharemos em Brasília a essência que constitui a essência humana.
                Queremos uma Brasília que deixe de ser só capital administrativa da República, mas passe a ser o coração multicultural da nação que anseia por uma nova pulsação artística que vá além dos lugares-comuns de artistas sem furor. Não precisamos de artistas-zumbi que são aceitos por educação. São imprescindíveis obras de arte que ofereçam ao nosso povo uma catarse capaz de fazê-lo preferir uma boa leitura em vez de, por exemplo, novelas televisivas e seriados. Estes e aquelas são arte, obviamente, mas nós temos a ambição de superá-los na preferência do público, pelo menos uma vez por semana.
                Explodiremos os alto-falantes para acabar com o silêncio ensurdecedor da arte perante os mais diversos absurdos político-culturais. Exploraremos todo o potencial do vocabulário nesse quesito. As palavras são as maiores manifestantes da nossa realidade e da nossa vida. Ela, como já é defendido por muitos pesquisadores, ao mesmo tempo, molda a sociedade e é moldada por ela. Destarte, a palavra será muito bem cuidada por nós, o que não quer dizer mimada excessivamente por regras gramaticais.
                Precisamos deixar de ser meros covers programados para imitar a arte alheia disponível na Internet e nos tornar verdadeiros autores do nosso pensamento. A nossa ambição vai além de imitar clássicos ou medíocres. Nós podemos nos inspirar em outros artistas, o que é absolutamente recorrente, mas, se formos imitá-los em algum tema, será para superá-los.
                Que se dê ênfase às particularidades desta cidade, tudo bem, mas não iremos transformar isso no assunto maior de nossa produção nem o abordaremos só em sua parte central. Por que não falarmos dos problemas que se passam nesses lugares? Para que exaltar a beleza arquitetônica onde há uma profunda dor humana e problemas sem solidariedade? Por que fazer um jogo de palavras que faz rir os olhos, se podemos fazer uma composição para transbordar o coração? Será que lugares além do avião também não podem decolar a imaginação?
           Seremos adeptos do uso virtual da arte como mecanismo de divulgação. Com isso não queremos tirar dos leitores o prazer proporcionado pelo papel, mas apenas ampliar o horizonte da arte de forma consistente. Queremos entregar a arte no dia a dia de todos, isto é, ler um poema ou um conto será tão natural quanto ver a foto de alguém curtindo uma praia no feriado e (por que não?) publicar um texto literário será tão comum quanto publicar uma foto descontraída.
                O bom-humor é uma dádiva quando é usado adequadamente, o que não quer dizer o mesmo que politicamente correto. Só queremos rir e fazer rir sem cometer crimes dolosos ao patrimônio público, individual, coletivo, cultural, sexual, econômico, social, virtual, futebolístico, animesíaco, marvelítico, cinematográfico, público de novo, infantil, idoso, LGBTístico, papelístico, eurocêntrítico, latinítico, brasileiro, acreano, candango, paulista, mineiro, carioca, ibísitico e multiculturalítico – palavra que serve para incluir todos os outros, que não chamaremos de resto para não ofendê-los. Inclusive, queremos usá-lo como meio de críticas sutis e, aparentemente, desinteressadas.
         Vale ressaltar que não valorizaremos só a arte literária. Tentaremos reunir a fração da inteligência candanga que quiser se unir a nós nesse processo. Mas não falaremos aqui dos objetivos del@s, já que isso cabe a eles.
                Enfim, esperamos que gostem deste rascunho do que será a nossa arte.
                Assinado por: Fernando Fidelix Nunes

Obs: O texto era para ser assinado também pelo Renato, mas quando eu lhe mostrei, tive como resposta que estava bom e que deveria ser assinado só por mim. Afinal, um artista de caráter não suporta receber crédito indevido.


domingo, 26 de novembro de 2017

Poema "Líquido Moderno"

Líquido Moderno

Sou filho do caos e do egoísmo
Sou fruto do consumo sem deboísmo
da vontade do poder acima do compromisso com o dever

Nascido na querolândia da solidão
Voo pela estrada na contramão do bom senso
Vou pra terra de ninguém
na divisa do mal com o bem
Sem saber quem vai me informar onde vai acabar

Na circuntristeza do líquido moderno
Encontro alívio num velho caderno
Cheio de traduções da vida em versos.
(Fernando Fidelix Nunes)