sexta-feira, 4 de maio de 2018

Diário: 10 de julho de 2011



10 de julho de 2011.

O dia a dia é cheio de imprevistos mesmo. A Giovana e o Daniel arrumaram uma viagem em cima da hora ontem e vão viajar para passar duas semanas fora. A Giovana vai com uns amigos para o Uruguai e a Argentina, já o Daniel vai passar umas duas semanas na chácara de um dos amigos do bonde dele. Só Deus sabe do buraco em que eles vão se meter. Pena que uma mãe como eu nunca tira férias de tudo.

Hoje bateu uma saudade do meu antigo diário. Não adianta. Eles formataram o computador antes de eu salvar. Olha só como é a minha família. Formataram para vender e comprar este. E nem me avisaram nada! Eles pensam que eu não guardo nada de importante. Afinal, para eles, eu só sirvo para ficar na cozinha ajeitando as coisas para eles ficarem bem. Ninguém entende o prazer que a gente sente ao ler o que é nosso. Esse prazer é impagável. Pena que isso se foi. Na verdade, pena que essas poucas coisas boas passam e as ruins permanecem sem fim. No fim, é até bom que eles acreditem que eu não tenha nada e que eu não faço este diário. Se eles me lessem, não iam acreditar no leriam. A vida é tão curta para termos mistérios tão grandes. Talvez Deus tenha dado o livre arbítrio e a incapacidade de sabermos o que passa na cabeça de cada um porque senão passaríamos a eternidade olhando para os outros e não entenderíamos.

Viver este presente está sendo insuportável e péssimo. Os meus filhos continuam na mesma. Mas eu fiquei arrasada com meu marido. Pra começar, esses dias eu queria ir ao salão me cuidar e ele me deu 30 reais. Falei para ele me dar o dinheiro porque acho que a gente anda gastando muito no cartão de crédito. Quando ele me deu o dinheiro e virou de costas eu me senti um verdadeiro lixo. Digo isso porque sei que se eu for e gastar no salão ele vai olhar na fatura do cartão e me encher o saco com o gasto de dinheiro com coisa “besta”. A camisa do Grêmio que ele comprou esses dias não é nada errado pra ele, mas gastar com algo pra mim é quase um crime. Eu bem que queria estudar, mas hoje eu estou muito velha e tenho que ficar fazendo um monte de coisa aqui nessa casa. Sem mim, essa casa não funcionaria. Sabe no fundo eu invejo e muito a coragem e a independência da Conceição. Sei que na vida nem tudo é como parece, mas que ela é uma mulher forte e dedicada, isso ninguém discute. Definitivamente, hoje, o passado voltou a ter as cores amarguradas e desbotadas.

Pra piorar o Henrique atendeu o telefone e eu tenho certeza de que era mulher. Ele nem percebia que eu estava ouvindo enquanto falava tudo que queria. Combinou de encontrar-se com a pessoa num café, e depois me disse na maior cara de pau que iria fazer a revisão dos pneus do carro. Ele acha mesmo que sou surda e que não vou escutar nada né? Dói saber que estou sendo enganada, mas como eu posso largar tudo isso? Como resolver meu casamento mal arrumado?

Hoje eu li um trecho do livro do Fernando Pessoa que a Giovana me deu. O livro, pelo que eu entendi da explicação da minha filha, é uma espécie de diário de um livreiro chamado Bernardo Soares, um dos vários pseudônimos do Fernando Pessoa. Ela me falou que esse não era um livro que a gente lia do início ao fim, mas sim nos fragmentos que nos derem na telha, ou seja, tanto fazia começar do início, do meio e do fim. Confesso que pensei que era conversa mole da minha filha, até pegar o livro pra ler. Realmente, é um livro que todo mundo deveria ler ao menos um trecho em sua vida. Quanta inteligência para um homem escrever. Ele realmente tinha o dom da escrita. Merece todas as homenagens que são dadas a ele no dia a dia. Ele deveria ser assunto na televisão igual aos gols do Cristiano Ronaldo. Pena que as pessoas não valorizam as belezas que realmente importam na vida. Um jogo é só um jogo que se encerra em si mesmo. Agora um livro como esse é algo que é eterno e pode ser explorado por todo o sempre. É disso que a juventude precisa e meu coração também.

No trecho que eu li, ele fala que devemos trocar de destino assim como trocamos de roupa. Isso tocou no fundo da minha alma. Depois de ler o fragmento umas 3 vezes seguidas, ávida por cada detalhe do que estava escrito, eu fiquei sem reação. Fiquei congelada com as palavras desse escritor. Nunca nada tocou tão fundo na minha alma. Nem igreja, nem família nem homem nenhum nunca tocou tanto o meu coração. Ele, mesmo tendo morrido há mais de cinquenta anos, conseguiu tocar em cada ponto da minha vida e da minha alma. É como se tudo que estivesse separado de repente se juntasse para dar um nó na minha cabeça. Meu destino deveria ser mudado da mesma maneira que eu troco de roupa. Esse seria o ideal mesmo. Imagino, se eu mudasse de verdade a minha vida, como seria? Eu, sem dúvida, trabalharia igual ao Henrique. Chegaria em casa cansada e só com vontade de mandar e ser satisfeita nas coisas que eu quero e preciso. Não teria que dar satisfação a nada e muito menos a ninguém! Acho até que eu faria um curso para aprender inglês e francês direito. Sempre que fosse tirar férias eu iria viajar com o pessoal para algum lugar que valha a pena.

Agora lembrei de uma frase famosa do Fernando Pessoa: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Nessa ele estava errado. A minha vida, sem dúvida, não vale a pena, por exemplo. Mas pelo menos acho que ele plantou em mim uma semente de que as coisas podem mudar para melhor no futuro. Quem sabe né? Enquanto isso é ir abaixando na porta para não machucar os meus chifres de otária.

(Criado, assim como as demais postagens sobre o diário, por Fernando Fidelix Nunes)

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