10 de julho de 2011.
O
dia a dia é cheio de imprevistos mesmo. A Giovana e o Daniel arrumaram uma
viagem em cima da hora ontem e vão viajar para passar duas semanas fora. A
Giovana vai com uns amigos para o Uruguai e a Argentina, já o Daniel vai passar
umas duas semanas na chácara de um dos amigos do bonde dele. Só Deus sabe do
buraco em que eles vão se meter. Pena que uma mãe como eu nunca tira férias de
tudo.
Hoje bateu uma
saudade do meu antigo diário. Não adianta. Eles formataram o computador antes
de eu salvar. Olha só como é a minha família. Formataram para vender e comprar
este. E nem me avisaram nada! Eles pensam que eu não guardo nada de importante.
Afinal, para eles, eu só sirvo para ficar na cozinha ajeitando as coisas para
eles ficarem bem. Ninguém entende o prazer que a gente sente ao ler o que é
nosso. Esse prazer é impagável. Pena que isso se foi. Na verdade, pena que
essas poucas coisas boas passam e as ruins permanecem sem fim. No fim, é até
bom que eles acreditem que eu não tenha nada e que eu não faço este diário. Se
eles me lessem, não iam acreditar no leriam. A vida é tão curta para termos
mistérios tão grandes. Talvez Deus tenha dado o livre arbítrio e a incapacidade
de sabermos o que passa na cabeça de cada um porque senão passaríamos a
eternidade olhando para os outros e não entenderíamos.
Viver
este presente está sendo insuportável e péssimo. Os meus filhos continuam na
mesma. Mas eu fiquei arrasada com meu marido. Pra começar, esses dias eu queria
ir ao salão me cuidar e ele me deu 30 reais. Falei para ele me dar o dinheiro
porque acho que a gente anda gastando muito no cartão de crédito. Quando ele me
deu o dinheiro e virou de costas eu me senti um verdadeiro lixo. Digo isso
porque sei que se eu for e gastar no salão ele vai olhar na fatura do cartão e
me encher o saco com o gasto de dinheiro com coisa “besta”. A camisa do Grêmio
que ele comprou esses dias não é nada errado pra ele, mas gastar com algo pra
mim é quase um crime. Eu bem que queria estudar, mas hoje eu estou muito velha
e tenho que ficar fazendo um monte de coisa aqui nessa casa. Sem mim, essa casa
não funcionaria. Sabe no fundo eu invejo e muito a coragem e a independência da
Conceição. Sei que na vida nem tudo é como parece, mas que ela é uma mulher
forte e dedicada, isso ninguém discute. Definitivamente, hoje, o passado voltou
a ter as cores amarguradas e desbotadas.
Pra
piorar o Henrique atendeu o telefone e eu tenho certeza de que era mulher. Ele
nem percebia que eu estava ouvindo enquanto falava tudo que queria. Combinou de
encontrar-se com a pessoa num café, e depois me disse na maior cara de pau que
iria fazer a revisão dos pneus do carro. Ele acha mesmo que sou surda e que não
vou escutar nada né? Dói saber que estou sendo enganada, mas como eu posso
largar tudo isso? Como resolver meu casamento mal arrumado?
Hoje
eu li um trecho do livro do Fernando Pessoa que a Giovana me deu. O livro, pelo
que eu entendi da explicação da minha filha, é uma espécie de diário de um
livreiro chamado Bernardo Soares, um dos vários pseudônimos do Fernando Pessoa.
Ela me falou que esse não era um livro que a gente lia do início ao fim, mas
sim nos fragmentos que nos derem na telha, ou seja, tanto fazia começar do
início, do meio e do fim. Confesso que pensei que era conversa mole da minha
filha, até pegar o livro pra ler. Realmente, é um livro que todo mundo deveria
ler ao menos um trecho em sua vida. Quanta inteligência para um homem escrever.
Ele realmente tinha o dom da escrita. Merece todas as homenagens que são dadas
a ele no dia a dia. Ele deveria ser assunto na televisão igual aos gols do
Cristiano Ronaldo. Pena que as pessoas não valorizam as belezas que realmente
importam na vida. Um jogo é só um jogo que se encerra em si mesmo. Agora um
livro como esse é algo que é eterno e pode ser explorado por todo o sempre. É
disso que a juventude precisa e meu coração também.
No
trecho que eu li, ele fala que devemos trocar de destino assim como trocamos de
roupa. Isso tocou no fundo da minha alma. Depois de ler o fragmento umas 3
vezes seguidas, ávida por cada detalhe do que estava escrito, eu fiquei sem
reação. Fiquei congelada com as palavras desse escritor. Nunca nada tocou tão
fundo na minha alma. Nem igreja, nem família nem homem nenhum nunca tocou tanto
o meu coração. Ele, mesmo tendo morrido há mais de cinquenta anos, conseguiu
tocar em cada ponto da minha vida e da minha alma. É como se tudo que estivesse
separado de repente se juntasse para dar um nó na minha cabeça. Meu destino
deveria ser mudado da mesma maneira que eu troco de roupa. Esse seria o ideal
mesmo. Imagino, se eu mudasse de verdade a minha vida, como seria? Eu, sem
dúvida, trabalharia igual ao Henrique. Chegaria em casa cansada e só com
vontade de mandar e ser satisfeita nas coisas que eu quero e preciso. Não teria
que dar satisfação a nada e muito menos a ninguém! Acho até que eu faria um
curso para aprender inglês e francês direito. Sempre que fosse tirar férias eu
iria viajar com o pessoal para algum lugar que valha a pena.
Agora lembrei
de uma frase famosa do Fernando Pessoa: “tudo vale a pena se a alma não é
pequena”. Nessa ele estava errado. A minha vida, sem dúvida, não vale a pena,
por exemplo. Mas pelo menos acho que ele plantou em mim uma semente de que as
coisas podem mudar para melhor no futuro. Quem sabe né? Enquanto isso é ir
abaixando na porta para não machucar os meus chifres de otária.
(Criado, assim como as demais postagens sobre o diário, por Fernando Fidelix Nunes)
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