(Ilustração feita por Leonardo B. Ferreira exclusivamente para este blog)
18 de janeiro de 2012.
Como
as coisas conseguem piorar em uma semana. Depois que o Henrique voltou, já de
madrugada, eu tentei falar com ele que a gente não resolvia as coisas assim na
nossa família. Ele não quis conversa e disse "não quero falar agora, Márcia". E foi deitar.
Nos
últimos dias tem sido muito difícil para mim aqui em casa. O Henrique e a
Giovana mal se falam. Na verdade eles nem se falam. O Henrique agiu como uma
criança de dez anos e, ao ver a Giovana e eu no sofá da sala, simplesmente
disse “tchau, Márcia”. A Giovana fingiu que estava tudo bem e continuou
assistindo ao jornal na televisão. É como
se eles estivessem numa queda de braço para ver quem vai dar o braço a torcer
primeiro. A Giovana até falou no celular depois com uma amiga um pouco do
assunto e disse que macho nenhum vai mandar nas opiniões dela ou no corpo dela. Nem mesmo o próprio pai. Ela ainda falou umas coisas com a palavra patriarcado no meio que eu não entendi direito.
O
Henrique veio aqui hoje com uma conversa bem estranha de que anda precisando de
dinheiro para pagar umas dívidas com urgência. Eu fiquei me perguntando: de
onde saiu essa dívida? Na verdade, eu não guardei essa pergunta só para mim, eu
a fiz diretamente. Ele só disse que eu não sabia como andam as contas e que o
salário não anda dando para cuidar de todas as coisas aqui de casa. Agora eu
não entendi, porque a gente não viaja nem nada. Não lembro nem do último crediário que a gente fez. Ele falou que tinha que arrumar
um jeito de conseguir dez mil reais para ajeitar as coisas do jeito certo. Não
sei de onde vem isso, só se a mesada do Daniel aumentou em dois mil reais e eu
não fiquei sabendo direito. Isso é muito estranho mesmo.
Resolvi
ler de novo o Livro do Desassossego para ver se me animo de novo ou pelo menos
encontro mais ânimo na melancolia. No trecho 411 do Fernando Pessoa, ele faz
uma excelente reflexão sobre a relação entre vaidade e orgulho. De cara ele
diz: “O orgulho é a certeza emotiva da grandeza própria”. Embora o resto tenha
valor, eu fico presa a essa frase, pois acho que a minha família tem uma
certeza da grandeza própria estando muito longe dela. E isso é uma coisa de
Brasília mesmo. No interior, as pessoas idiotas sabem que são imbecis e tentam
dar golpes estranhos. Em Brasília, deve ser por conta do poder da cidade, as
pessoas têm absoluta convicção de que são muito mais do que realmente são.
Triste saber que as coisas são como elas são.
(Esta é uma obra de ficção criada por Fernando Fidelix Nunes)
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